Maya Santana, 50emais
Esta reportagem do jornal El País mostra como espanhóis que passaram dos 60 anos e querem envelhecer independentes dos filhos estão se unindo para criar um tipo de moradia compartilhada com amigos, principalmente. Essa forma de moradia, que começa a chegar ao Brasil, vem ganhando cada vez mais adeptos em muitos países, porque é não só uma forma de evitar a solidão da velhice, mas de envelhecer dividindo o tempo com pessoas com as quais você se dá bem, pessoas que estarão ali, quando você precisar. Só tenho uma implicância: por que insistir em dar o nome em inglês – cohousing -, e não em português – coabitação, moradia compartilhada – para que um número maior de pessoas entenda do que se trata? No mais, a reportagem é excelente.
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Maribel e Ignacio vivem em um sobrado com um jardim interno onde brinca seu cachorro em Valencinas, nos arredores de Sevilha. Uma casa espaçosa onde, a priori, qualquer casal à beira da aposentadoria gostaria de passar essa etapa da vida. Mas essa ideia não está em seus planos. Maribel e Ignacio pretendem viver esta nova etapa de sua vida, chamada de madurescência, junto com outros amigos, cuidando uns dos outros, compartilhando hobbies, mantendo uma vida ativa e garantindo sua autonomia pessoal em um lugar projetado por eles e para eles, de acordo com suas necessidades. “Nós nos negamos a ser um fardo para nossos filhos e não queremos acabar vivendo sozinhos ou em uma residência que não podemos pagar; queremos estar rodeados de gente que nos entenda, com quem compartilhemos interesses, e que juntos possamos cuidar uns dos outros”, explica Ignacio no sofá de sua sala.
Maribel, de 61 anos, funcionária da Junta da Andaluzia há mais de quatro décadas, e seu marido Ignacio, de 63, diretor de banco aposentado antecipadamente, buscam, como muitos de sua geração, afastar os fantasmas da solidão, do isolamento e da dependência, e encontraram no modelo de moradia colaborativa, conhecido pelo termo em inglês cohousing (“coabitação”), a solução perfeita. “A sociedade não está preparada para a madurescência”, afirma Ignacio.
O cohousing é uma fórmula de convivência em que seus moradores, ou sócios, projetam e administram por conta própria o edifício em que vivem, no qual moradias privadas são integradas com amplas áreas comuns — das quais eles também se encarregam —, que funcionam como uma extensão das residências particulares. Na comunidade, geralmente constituída como uma cooperativa, todas as tarefas são planejadas e distribuídas de modo a aproveitar todas as sinergias — tanto as pessoais e profissionais dos sócios quanto as funcionais, levando em conta a arquitetura e a localização do imóvel e dos terrenos em volta. O objetivo é colaborar entre si e cuidar uns dos outros até o fim de seus dias. O casal faz parte, juntamente com quatro companheiros, da associação Abante Jubilar Sevilla, que iniciou os procedimentos para construir o primeiro modelo de cohousing da província de Sevilha.
Esse fenômeno, estabelecido há anos no centro e no norte da Europa, ainda está dando seus primeiros passos na Espanha, mas está se expandindo com muita rapidez. Atualmente há 30 projetos em todo o país, a maioria na Andaluzia, na Catalunha e em Madri. “O cohousing é uma forma de revolucionar o envelhecimento”, afirma Pedro Ponce, promotor de uma iniciativa de cohousing sênior em Huelva. A forma de envelhecer no século XXI não tem nada a ver com a do século XX. Mais uma consequência da geração dos babyboomers, a que quebrou paradigmas com o Maio de 1968. “O conceito de envelhecimento mudou, envelhecer já não é sinônimo de deterioração, é mais uma etapa, como a adolescência, com suas novas tarefas de identidade”, explica José. A. Sánchez Medina, psicólogo da universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, e especialista em moradia colaborativa. “O cohousing permite escolher com quem você quer viver e envelhecer. Essa solução habitacional permite lutar contra a solidão porque recupera as relações de vizinhança e promove um envelhecimento ativo”, ressalta o professor.
A Abante Jubilar Sevilla ainda está procurando terrenos. Esse é um dos principais obstáculos do cohousing e atrasa o desenvolvimento dos projetos. “Nossos perfis não se enquadram em muitas ofertas de terrenos urbanos públicos. Terrenos privados encarecem todo o projeto e é difícil de encontrar, porque precisamos de muito espaço”, explica Maribel. O financiamento também é um problema. Poucas instituições bancárias se atrevem a avalizar esses projetos.
Todos os projetos de cohousing, com suas variações, estão perfeitamente organizados em fases. Na primeira, o grupo motor, um pequeno número de indivíduos, define o modelo de convivência e adota as decisões por unanimidade. Em seguida vem a etapa de atrair sócios e buscar terreno e financiamento. E depois começa, finalmente, a convivência. O período entre a concepção do projeto e o início da convivência dura, em média, seis anos. “Uma certa espera é algo bom porque o grupo se une, mas se demorar muito eles podem acabar esgotados”, assinala Sánchez.
Se há algo que as pessoas que participam dessas iniciativas têm de sobra, é esperança e paciência. O cohousing não é um lar de idosos nem uma comuna de avós modernos. Cada modelo é distinto: alguns projetam mais cômodos — aconselham-se 35 ou 40 de 50 metros quadrados — ou diferentes áreas comuns (cabeleireiro, biblioteca, restaurante, banho terapêutico…), outros priorizam a uniformidade das faixas etárias, como no caso da Abante Jubilar — a média é de 65 anos —, enquanto no caso de Huelva a ideia é combinar gente mais jovem, de 40 anos, com pessoas mais idosas, “para evitar que todos envelheçam ao mesmo tempo e não possam ajudar uns aos outros”, destaca Ponce. Mas todos procuram compartilhar suas preocupações e contribuir com suas experiências pessoais ou profissionais para o projeto por meio de diferentes atividades: sessões de cinema, debates, cursos, conferências, audições musicais… E todas as atividades da comunidade são abertas para os vizinhos, porque aquilo que seus moradores buscam não é se isolar, é se integrar na sociedade.
O cohousing também não é uma alternativa aos asilos tradicionais. O que mais se valoriza é o cuidado mútuo entre todos e o que se chama de ajuda integral centrada na pessoa: promover a saúde de uma maneira personalizada, de acordo com as necessidades de cada um dos inquilinos. Todos os projetos contam com cômodos preparados para os sócios que precisarem de atenção especial. “Todos sabemos que vamos morrer aqui. Se eu estiver em uma situação de dependência, vou estar rodeado de pessoas que me ajudem”, diz Ignacio.
Veja um pouco da vida no Trabensol:
O exemplo do Trabensol
Embora cada iniciativa procure adaptar os diferentes modelos existentes às suas próprias necessidades, todas buscaram alguma inspiração no exemplo do centro residencial Trabensol, em Torremocha de Jarama, na comunidade autônoma de Madri, a primeira experiência de cohousing surgida na Espanha. Seus 54 sócios — cada sócio pode ser um casal ou um indivíduo, no total são 80 residentes — vivem desde 2013 sob o sistema de moradia colaborativa, uma forma de organização com a qual já estavam familiarizados, já que a maioria deles vem do mundo do cooperativismo. Um escritório de jovens arquitetos projetou para eles um edifício que atendia aos seus pedidos: que fosse bioclimático, tivesse um impacto mínimo no meio ambiente e acarretasse poucas despesas de manutenção. Os moradores se organizam em vários comitês, do de economia ao de jardinagem, e desenvolvem atividades abertas a toda a cidade. Eles têm uma lista de espera de 26 sócios.
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