
“A maquiagem foi impecavelmente construída para tentar disfarçar tudo que era preciso sem deixar óbvio que uma operação camuflagem estava em curso”
Leila Ferreira
“What a drag is to get old…” (“Que chatice que é envelhecer…”), cantavam os Stones na década de 1960. De lá para cá, muita água passou debaixo da ponte. Mick Jagger envelheceu, seus fãs envelheceram, o mundo envelheceu e continua sendo, digamos, difícil. Concordo com a frase de Maurice Chevalier: ainda é a melhor opção. Mas isso não significa que ela seja extremamente prazerosa ou simples. Pode até ser em alguns casos. Mas, normalmente, envelhecer é ter que matar dois leões (jovens) por dia. Eles famintos, e a gente sem energia.
Minha amiga Clara (nome fictício, óbvio), 54 anos (idade real) e um portfólio considerável de intervenções estéticas, um dia desses foi convidada para sair por um homem interessantíssimo, na faixa dos 60. Todo o círculo de amizade se agitou: um convite de natureza romântica para uma mulher acima dos 50 mexe com o imaginário feminino (e renova esperanças dadas como perdidas). Clara se produziu ao máximo: vestido escolhido a dedo para rejuvenescer sem virar caricatura de mocinha, saltos altos, mas não muito, para não passar a impressão de que estava se esforçando demais, e maquiagem impecavelmente construída para tentar disfarçar tudo que era preciso sem deixar óbvio que uma operação camuflagem estava em curso.
Os dois foram a um restaurante italiano, a comida estava perfeita e a conversa, estimulada por quase duas garrafas de chianti, fluiu sem atropelos. Olhares prolongados, mãos se encostando quase acidentalmente, enfim, a noite com que Clara havia sonhado. Combinaram de voltar a se encontrar e foram andando sem pressa para o estacionamento, mas, no caminho, desabou uma daquelas chuvas repentinas, e em segundos os dois estavam encharcados. Entraram no carro pingando e aí deram o primeiro beijo, que conduziu ao segundo, ao terceiro e a alguns abraços – e só. Ficar no primeiro dia, nem pensar! Quando o galã a deixou na porta do prédio, voltou a beijá-la, passou a mão no rosto de Clara várias vezes (os cabelos escorrendo continuavam molhando o rosto) e prometeu que ligaria no dia seguinte. Clara subiu quase levitando, se sentindo a mais linda das mulheres maduras. Até que se olhou no espelho do banheiro e viu que estava sem sobrancelhas – isso mesmo. As sobrancelhas, na verdade um traçado impecável feito com lápis importado, tinham sido levadas pela chuva – a chuva e a troca de carícias com o companheiro daquela noite.
“Vocês não acreditam!”, ela desabafou com as amigas. “Não tinha um vestígio sequer do lápis! E pensar que eu estava com sessão marcada para fazer pigmentação definitiva nas sobrancelhas e desmarquei por falta de tempo. Não, gente, envelhecer é duro. Até as sobrancelhas a gente perde. As minhas eram lindas, espessas. Foram raleando, acabando, e eu só no lápis. Agora vou olhar com que cara para ele? Como é que vou explicar que ele me conheceu de sobrancelhas, depois me viu sem elas e agora está me vendo com elas de novo?”
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Trecho da deliciosa crônica Melhor Idade? (páginas 183, 188 e 189) do livro Viver Não Dói, Editora Principium, da jornalista e escritora Leila Ferreira.
5 Comentários
de repente ele nem notou!
Adoraria saber o resto dessa história…rss!
Nooossa perder um pretê pq as sobrancelhas esvaíram-se … é muito pouca auto estima !
E dos seios falsos de silicone nada se fala…nem nada envergonham…
Hahahahaha seria cômico se não fosse trágico!!!