Cora Rónai
Não posso dizer que tenha sido uma surpresa, mas foi um susto: fiz, ontem, 60 anos. Não lido bem com datas redondas, e essa, então, me parece singularmente emblemática. Os amigos que já passaram por isso garantem que não é nada, que não dói e que tem até vantagens, como fila especial no banco, meia entrada no cinema e no teatro e passagem grátis no ônibus; mas só de saber delas sinto vontade de sair correndo de volta para os 59, que até a semana passada me pareciam muitos, mas hoje parecem tão poucos e bons. Mais um pouco e alguém vai me recomendar hidroginástica e dança de salão.
Conceição Giancoli, amiga do Facebook, foi a mais realista: “Como já fiz 72 lhe digo: não entre na fila de idosos nos bancos, é a mais lenta, não pague meia nos teatros, é humilhante, se entrar no metrô fique de pé, as crianças precisam descansar. Lembre-se, nada mudou.”
Um dos meus orgulhos é fazer anos junto com Harry Potter. Ele é do dia 31 de julho porque J. K. Rowlings também é. Engraçado como o personagem, nesse caso, é muito mais importante para mim do que sua autora — nunca me passaria pela cabeça comemorar o fato de que faço anos no mesmo dia que ela. Go figure.
Eu cantava “Não confie em ninguém com mais de 30 anos”, e Mamãe, que sempre soube das coisas, me advertia para o fato de que, se a sorte me sorrisse, eu passaria muito mais tempo com mais de 30 do que com os 15 que tinha até então. Eu sabia por saber, mas não acreditava. Mesmo aos 27, quando joguei tudo para o alto e comecei a Vida 2.0, os 30 ainda pareciam distantes, muito distantes. Não sou boa de matemática, mas 60 é duas vezes 30. Socorro!
As casas envelhecem junto com seus habitantes. A tinta desbota, os interruptores viram curiosidade arqueológica, a decoração lembra revistas de muitos anos atrás. E o banheiro? Quando dá infiltração é preciso caçar peças no cemitério dos azulejos: brrrrr!
Tento, na medida do possível, evitar que meu apartamento compartilhe a minha sorte. Não há muito que eu possa fazer em relação ao conteúdo: ele tem uma estrutura mental já definida, que é a configuração dos móveis e, sobretudo, das estantes, e tem as suas memórias, que são as minhas — os quadros, os móveis escolhidos ao longo do tempo, as coisinhas que eu fui trazendo dos lugares que visitei, o Ganesha enorme e colorido do escritório, o frágil pirarucu de Parintins que virou a obsessão das crianças, que cismam em brincar com aquele peixe que a vó não deixa pegar.
Tenho inveja de quem consegue viver em ambientes quase vazios, sem rastros, assim como tenho inveja de quem consegue se manter magra. Meu apartamento tem chances de conseguir, um dia, essa vida elegante, mas não estarei aqui para ver. Até lá, teremos que enfrentar os anos com a possível galhardia e os ajustes necessários. Leia mais em oglobo.com.br