Eliane Brum
E cá estamos nós, mais uma vez. De volta às aventuras do quadro mais famoso do pintor Gustave Courbet, A origem do mundo. Não sei se existe outra obra de arte com tanta capacidade de provocar polêmica, mesmo um século e meio depois de ter sido realizada. Para quem não conhece a pintura, ela mostra uma vagina. Ou, segundo uma definição menos cultural e mais anatômica, uma vulva. Ela desponta entre as coxas femininas abertas, coberta de pelos. Há ainda a barriga e um seio. Não há o restante das pernas, não há braços, não há rosto. Pelo menos não havia até a quinta-feira, 7/2, quando a revista francesa Paris Match chegou às bancas. Na capa se anunciava, com grande estardalhaço, que havia sido encontrado “o rosto de A Origem do Mundo” – “a parte de cima da obra-prima de Courbet”. A vagina teria uma cara. E até um nome, uma nacionalidade e uma biografia, já que sua dona seria a irlandesa Joanna Hiffernan, modelo retratada em outras telas de Courbet, amante de outro pintor, Whistler. Cabe a pergunta: por que a vagina precisaria de um rosto?
A Origem do Mundo, a pintura, assim como as palavras “vagina” e “boceta” viveram uma série de percalços no Brasil e no mundo no ano passado. A novidade trazida pela Paris Match neste mês de fevereiro mostra que ainda haverá muitas peripécias. O psicanalista Jacques Lacan (1901-1981), que foi o último dono do quadro antes de a obra ingressar no acervo do Museu D’Orsay, em Paris, costumava dizer: “O sexo da mulher é impossível de representar, dizer e nomear”. E por isso exibia a pintura de Courbet a uma plateia seleta de intelectuais da época, num ritual cheio de suspense. Mais do que exibir, ele a desvelava, na medida em que A Origem do Mundo era ocultada atrás de uma outra pintura.
Primeiro, uma breve retrospectiva dos acontecimentos recentes. Em junho de 2012, escrevi sobre o quadro a partir de um grito que ecoou dentro da minha casa. Este era o título da coluna: “Por que a imagem da vagina provoca horror?”. Se você não a leu, pode ler aqui. Nela, conto a conturbada trajetória da pintura desde que Courbet (1819-1877) a fez, em 1866, e sugiro algumas hipóteses para o impacto tanto da imagem quanto das palavras, ainda hoje, quando corpos femininos nus se movimentam na internet a um clique.
Em setembro, o incômodo, que tanto a imagem quanto as palavras provocam, foi comprovado, mais uma vez, em dois episódios. No primeiro, a Apple censurou a palavra “vagina” . O título do livro de Naomi Wolf, respeitada escritora americana, passou de Vagina, uma nova biografia para V****a, uma nova biografia. Neste caso, a apresentação do livro feita na livraria virtual resultou numa prova bastante irônica da atualidade da abordagem: “É um impactante novo trabalho que muda radicalmente como pensamos, discutimos e compreendemos a v****a. A autora olha para o passado e nos mostra como a v****a foi considerada sagrada por séculos até ser vista como uma ameaça”. Continua em revistaepoca.com.br
4 Comentários
Se fosse um pinto, ninguém se assustaria.
Nenez, adorei seu comentário…
muito bem pintado!!!!!!!
Gente, não precisa intelectualizar tanto. A vagina causa espanto, mesmo. No quadro a moça a parece uma aranha! É inegável. Claro que tal imagem só pode despertar as mais diferentes e contraditórias emoções.