Martha Medeiros
Eu queria que a vida fosse dividida em quatro estágios, mas que não acabasse nunca.A infância é como a primavera. É pura novidade e um calor que não sufoca nem faz pensar bobagens. Tem uma inocência quase cafona, uma singeleza clássica, e traz no íntimo a certeza de que pela frente vem coisa boa. A gente quer que passe logo, mas sabe que nunca mais será tão protegido, a mordomia não será eterna. É quando as coisas acontecem pela primeira vez, é quando num arbusto verde vemos surgir alguns vermelhos, é surpresa, a primeira de uma série. A adolescência é como o verão. Quente, petulante, libidinosa.
Parece que não vai haver tempo para fazer tudo o que se quer e o que se teme. É musical e fotogênica. Dúvidas, dúvidas, dúvidas em frente ao mar. Mergulha-se no profundo e no raso. Pouca roupa, pouca bagagem. Curiosidade. Vontade que dure para sempre, certeza de que passa. Noção do corpo. Festas e religião. Amor e fé.
A maturidade é como o outono. Um longo e instável outono, que alterna dias quentes e frios, que nos emociona e nos gripa. Há mais beleza e o ar é mais seco, porém é quando se colhem os melhores abraços. Ficar sozinho passa a não ser tão aterrorizante. Fugimos para a praia, fugimos para a serra, as idéias aprendem a se movimentar, a fazer a mala rápido, a trocar de rota se o desejo se impuser, e não é preciso consultar o pai e a mãe antes de errar. É o outono que tentamos conservar.
O inverno é como a velhice. Tem sua beleza igualmente, exige lã, bolsa de água quente, termômetro e uma janela bem vedada. O que não queremos que entre? Maus presságios. O inverno é frio como despedida de um grande amor, mas sabemos que tudo voltará a ser ameno. Queremos que passe, temos medo que termine. Ficar sozinho volta a ser aterrorizante. O inverno é branco, é cinza, é prata. É grisalho.
E, de repente, também passa.
Eu queria que tudo fosse verdade, que a vida fosse assim dividida em quatro estágios que mais parecem estações do ano, mas que não acabasse, que depois do inverno viesse outra primavera, e outro verão, e outro outono, que nunca são iguais, mas sempre se repetem, sempre voltam, são tão certos quanto o sol e a lua, todo dia, toda noite. Eu queria.
11 Comentários
Amei! Que poético eu também queria me emocionei.
Adorei a mensagem é isso mesmo o que acontece com a gente
Eu também adorei o texto, e até acho que as fases citadas se parecem com as estações. Mas dei de viver as estações todo o ano. Todo ano saio do verão, me recolho no outono, rumino minhas entranhas no inverno e como as plantas, floresço na primavera.E literalmente, fico achando tudo lindo…As folhas novas das árvores, as flores, o cheiro que fica no ar, os pássaros que são muitos e muito cantantes…E é assim, de uns tempos para cá, dei de viver as estações durante todo o ano. Tem me feito bem.
Lindo texto! Doce, sensível e poético.
…….não consigo enxergar estações em minha vida. Respeito e agradeço o passado, mas ele ficou lá. Estou super curtindo o que vejo agora (55) até minha lerdeza e meu físico limitado me ensinam extraordinárias doçuras…. Agora é a melhor estação de minha vida.
Lindo
Magnífico
Eu tb queria. Muito.
Perfeito
lindo texto! muito lindo…
lindo texto!
Lindissimo Forte, emocionante . Eu também queria!!!!!!!!!!!!!!!