
Márcia Lage
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– Não existe nada mais brega, mais cafona do que ser triste – me diz uma amiga, num demorado telefonema de domingo. A conversa começou com queixas dos dois lados, e terminou como uma sessão de terapia. Com a compreensão do momento de ambas tão clara como o sol do dia.
O assunto era a velhice já desconfortavelmente instalada nas duas, tanto no corpo quanto na alma. Alegres, descoladas e bem resolvidas, de repente se deram conta de que uma tristeza fazia sombra em seus prazeres, levando-as à renúncia de hábitos que as deixavam muito alegres.
Viajar, ir à praia, caminhar ao entardecer, tomar um vinho com amigos à noite, fazer exercícios físicos, ler, ir ao cinema, cozinhar ou sair para comer fora – tudo isso ia sendo gradativamente substituído por um desejo maior de ficar em casa, sem nem mesmo passar mensagens ou telefonar para alguém. Escondidas do mundo.
Uma saudade repentina da mãe falecida, dos amigos que partiram, dos filhos ausentes, dos netos crescendo longe, invadia o coração de uma. A outra, que não tem tantos lastros afetivos, confessava um distanciamento proposital da família e da maioria dos amigos. Havia crescido nela uma desconfiança generalizada, que se transformava em medo toda vez que lia os noticiários.
– Estamos vendo o mundo derreter na nossa frente, sem tempo de reagir a essa lama de degelo e fuligem urbana que nos assola – disse a outra – numa tentativa carinhosa de justificar o peso de envelhecer no triturador dos novos tempos.
Ambas assentiram que os acontecimentos externos poderiam ser a causa da melancolia repentina. Mas tiveram coragem de ir mais fundo na investigação. Estariam deprimidas? Uma já fazia uso de ansiolítico. A outra, mais natureba, tomava baldes de florais e fórmulas homeopáticas, além de meditação, yoga, exercícios. Tudo que dizem que é bom para “desentristecer.”
A essa altura da conversa já estavam mais leves, davam até risadas, quando uma falou que sentia falta de um propósito novo, algo que lhe tomasse o tempo e lhe desse algum significado para continuar vivendo.
– Que propósito? Velho não tem que ter propósito nenhum. Tem é que aceitar que sua jornada está terminando e agradecer por poder caminhar. O que a gente tinha que fazer, já fez. Agora é cuidar de viver com mais alegria, em paz, mais nada.
– É verdade – disse a outra. A alegria, a partir dos 70, está relacionada não ao que se pode ter, mas ao que ainda se tem: o olfato, o paladar, a visão, a audição, a locomoção, a aposentadoria, a casa própria ou alugada, mas que se pode pagar. Coisas e habilidades que muitos já perderam.
Então, concluíram que não tinham do que reclamar, e se puseram a cantar juntas: “É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe…”.
Às gargalhadas, decidiram que iriam reagir, por gratidão à vida e respeito às outras pessoas.
Desligaram o telefone e foram cuidar da vida com mais disposição. Amigo é mesmo o melhor terapeuta que existe.
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