Nesta entrevista que Caetano Veloso concedeu a Carlos Galilea, do jornal El País, o cantor fala um pouco de tudo: de sua personalidade controvertida, da situação difícil que o Brasil vive no momento, de Lula, da capacidade que João Gilberto ainda tem de surpreendê-lo e do envelhecimento – completará 72 anos em agosto: “Há, na atitude das pessoas com os mais velhos, um pouco de carinho, um pouco de respeito e também um pouco de desprezo”, diz ele. Quando perguntado do que sente falta, ele não hesita: “Sinto muito falta daquela alegria espontânea do corpo de uma pessoa jovem.
Leia a entrevista:
Desconfia do caetanismo, mas adora caetanear. Camaleônico nato, sempre sentiu a necessidade de mostrar a todo mundo o que descobria. Trabalhou com Pina Bausch, David Byrne e Carlos Saura. Cantou em inglês Cole Porter, Dylan e Kurt Cobain; em espanhol, Contigo en la distancia e Un vestido y un amor; em italiano, Come prima, e em francês, Henri Salvador. Gravaram suas composições desde Beck, Chrissie Hynde e o grupo Beirut até Jorge Drexler e Miguel Poveda. Caetano Emanuel Viana Teles Veloso fará 72 anos em agosto. E nos recebe no quarto de um hotel em Lisboa, a cidade onde começou uma turnê de um mês pela Europa, que o levará em 29 de maio a Madri (Teatro Circo Price) e no dia 31 a Barcelona (festival Primavera Sound). É acompanhado por um pequeno grupo de rock, a Banda Cê, com três músicos que pela idade poderiam ser seus filhos, para apresentar em show seu disco Abraçaço e recordar algumas de suas canções mais amadas.
Dizem que o senhor é uma das personalidades brasileiras mais inexplicáveis. Eu preferiria ser um pouco mais explicável (ele ri). Björk disse em uma entrevista: “Não quero ser entendida. Querer ser compreendido é uma arrogância”. Bom, pois eu sempre quis que me compreendessem.
“O Brasil parece um mundo de construções que já são ruínas”… Eu disse isso inspirado em Tristes Trópicos, de Lévi-Strauss, que li em 1968. Eu me apaixonei. Uma das coisas interessantíssimas que ele escreve é que, no Brasil, as coisas começam a ser construídas mal e já passam de construção à ruína sem chegar à realização, sem se completarem.
Realmente? Há um mês, The New York Times publicou uma reportagem sobre o Brasil na qual fotografaram pontes, viadutos… Estão em ruínas e nunca foram terminados. Coisas caras. Agora muitos desses aspectos negativos vieram à luz porque não faz muito tempo se criou uma imagem positiva do país totalmente exagerada. Muita gente festejou que o Brasil tivesse sido eleito como sede do Mundial de futebol e dos Jogos Olímpicos. Milhares de pessoas protestam hoje nas ruas. Alguns estádios não estão terminados, seu preço não foi explicado à população, as transações entre o Governo e as construtoras não são muito claras e a FIFA não é uma entidade internacional que desfrute de grande respeito ético.
Sua pátria é a língua portuguesa? É uma frase de Bernardo Soares no Livro do Desassossego, “minha pátria é a língua portuguesa”, que modifiquei um pouco na letra de Língua ao escrever que minha pátria é minha língua. Creio que uma das características mais desafiadoras e inspiradoras do Brasil é o fato de falar português. É o único país das Américas em que se fala português, e um país de dimensões continentais, no hemisfério sul, onde vive a maior população negra fora do continente africano. Sempre cheio de promessas e sempre falido. Esse vínculo linguístico-histórico com Portugal me parece um grande desafio e aumenta nossa responsabilidade de criar algo original no mundo. É uma inevitabilidade da condição do brasileiro.
Sempre atuou como um desestabilizador de consensos? Bom, isso aconteceu, não posso negar (ri). E continua acontecendo. É difícil, quando você remexe nas coisas em profundidade, que as consequências não deem origem a mais gestos desestabilizadores. Pra mim isso é difícil. Clique aqui para ler mais.