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Em tempos de pandemia, viver só pode ser bom e trazer liberdade

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Núbia Bissolotti: “Amo a minha liberdade. Posso fazer qualquer coisa, só depende de mim”

Uma ótima reportagem de Nathália Carapeços para a revista Donna, do jornal Zero Hora, sobre um tema sempre atual: o número cada vez maior de mulheres que fazem opção por morar sozinha. Um bom caso é o meu. Tenho 69 anos. Há mais de uma década vivo sozinha. E me sinto maravilhosamente bem, com a minha liberdade intacta: faço o que quero, na hora que me convém. Contrario totalmente a linda letra da música de Tom Jobim, é bem possível ser feliz sozinha. Nas três historias que você vai ler abaixo, as mulheres mostram que elas também não se enquadram na letra da canção, que diz “é impossível ser feliz sozinho.”.

Leia:

Angelita Silveira de Farias, 43 anos, traçou um plano logo no início da vida adulta: juntar dinheiro e achar o lugar ideal para criar seu porto seguro. Casar e ter filhos eram possibilidades distantes, mas conquistar o seu canto figurava no topo da lista de objetivos dos quais ela não abriria mão.

Núbia Bissolotti, 46, também priorizou sua independência desde cedo, só que morar sozinha não estava no seu horizonte. Saiu da casa dos pais para viver com o namorado, o relacionamento terminou e ela se virou sozinha desde então. 

Já Márcia Manjabosco, 55, se viu sem parceria na maturidade após o divórcio e o momento em que as filhas saíram de casa. Pela primeira vez em décadas, não havia com quem dividir a rotina.

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As três estão entre os 10 milhões de brasileiros que moram sozinhos no país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pouco mais da metade do grupo é composta por mulheres com histórias tão distintas quanto as de Angelita, Núbia e Márcia. Mas pode ter certeza de que todas encaram o mesmo desafio: aprender a curtir a própria companhia. 

Em tempos de distanciamento social, as diferenças entre solidão e solitude estão no centro do debate. E, na esteira das dúvidas sobre como uma mulher pode se sentir completa sem a presença do outro, estão os preconceitos e os tabus sociais. Apesar das conquistas femininas ao longo do tempo, a mulher ainda sofre com as pressões para se encaixar dentro de papéis pré-determinados.

– Quando a Simone de Beauvoir(autora feminista) diz que aprendemos a ser mulher de determinada forma, a gente também aprende que é possível ser mulher sem investir na maternidade e na conjugalidade. Esse prazer na própria companhia ou a possibilidade de pensar que existe uma vida em outros tons é uma conquista atual. Que a mulher possa se ver sendo inteira – afirma a psicóloga e professora universitária Fernanda Hampe Picon.

Nesse sentido, morar sozinha não se torna sinônimo de solidão. Julia Bittencourt, psicóloga especialista em saúde da mulher, explica que o termo costuma ser associado à angústia e ao desamparo, enquanto a solitude pressupõe uma escolha ou uma disposição de se conectar consigo mesmo. E é claro que as sensações se intercalam, ainda mais com o cenário do distanciamento social.

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– Como não está em contato com outras pessoas, pode bater a solidão mesmo. Por outro lado, essa mulher já está acostumada à independência, consegue ficar na própria companhia, já sabe os caminhos. Morando sozinha, há mais oportunidades de se reconectar, de se conhecer e se preparar para fazer suas escolhas – explica a psicóloga Julia.

Para mergulhar nas delícias e nos desafios de morar sozinha, a Revista Donna bateu um papo com as três mulheres que você conheceu no início deste texto. Saiba como elas aprenderam a curtir a própria companhia e desmitificaram a temida solidão.

Sempre pronta para o look do dia

Núbia mora sozinha há mais de 15 anos e ama sua liberdadeMarco Favero / Agencia RBS

Para Núbia Bissolotti, 46, aprender a curtir a própria companhia é um processo. E ela pode afirmar isso com propriedade: há 15 anos, a profissional do campo da tecnologia da informação mora sozinha em Porto Alegre.

– Amo a minha liberdade. Posso fazer qualquer coisa, só depende de mim. Teve épocas em que chegava sexta-feira e eu via as pessoas se movimentando, mas não tinha nada marcado. Ficava frustrada. A terapia me ajudou a encontrar outras formas de estar bem. Hoje, estou bem-resolvida – diz.

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 Núbia é sincera: seu dia a dia é de altos e baixos. Quando chegou aos 40 anos, uma enxurrada de questionamentos tomou conta da sua cabeça. Lidar com as perguntas de outros sobre seu futuro é outro aprendizado ainda em curso, conta:

– Filhos nunca foi uma ideia, mas o casamento em si, me questionei. Meus familiares perguntam, vejo que a minha mãe faz por amor. Mas alguns aliam isso ao sucesso e me criticam, esse é o fator de felicidade para eles.

A rotina de Núbia antes do distanciamento social incluía o trabalho em horário comercial e idas frequentes ao cinema, ao teatro e a eventos culturais. Happy com os amigos também tinha lugar cativo na agenda. Agora, não poder abraçar e beijar sua rede de apoio trouxe um novo desafio. Para seguir conectada com seu círculo, além das videochamadas, ela se propôs a postar um look de home office por dia no Instagram.

– Gosto muito de moda, e foi uma forma de me reinventar nesse momento de isolamento. Comecei a postar para as minhas colegas olharem, para inspirar as gurias. Me faz bem – explica.

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E o tempo confinada no apartamento tem também o lado bom. Núbia é fanática por séries e ama o combo vinho, pantufas e televisão. Nesse período, se deu um novo desafio: ler mais.

 – Adoro e não tenho o menor problema de curtir o tempo sozinha assim, preciso até me policiar. Por isso comprei um monte de livros e estou com dois na cabeceira. Tento olhar para eles para não olhar Netflix (risos). É uma forma de encarar esse momento pesado com mais leveza.

Nova forma de ver a vida

Márcia Manjabosco: “Faço muitos programas sozinha, cinema, ir jantar, não tenho problemas “

Seleção natural” é o termo que Márcia Manjabosco, 55, usa para definir a vida sozinha. Há quatro anos, a última filha saiu de casa. E a empresária faz questão de não romantizar: a transição para essa nova fase foi difícil.

– As coisas aconteceram. Sempre fui independente, mas posso dizer que vivi um tipo de luto. Hoje, prezo o meu tempo. Escolhi mudar de vida. Mudei de apartamento e até as questões de consumo. Demorei a me adaptar até nas compras do súper, por causa das quantidades – relembra Márcia, que é dona de uma loja de design e decoração.

O trabalho ocupa boa parte do dia da empresária e, por isso, ela aprendeu a valorizar seu momento de recarregar as baterias no lar. Ao morar sozinha, desenvolveu o gosto pela culinária – ela cozinha para si e abre um bom vinho.

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– Faço muitos programas sozinha, cinema, ir jantar, não tenho problemas com isso. Tenho muitos grupos de amigos e dispenso convites. Às vezes, quero ficar em casa mesmo. Adoro ser dona do meu horário, gosto da liberdade. É bem difícil pensar em abrir mão disso, até quando penso em me relacionar de novo – avalia.

O grande desafio de Márcia foi aprender a olhar para si. Mergulhada no cuidado das filhas, ela admite que precisou reaprender a refletir mais sobre seus gostos e decisões, se conhecer, se reconectar. Foi assim que aprendeu a curtir a própria companhia, conta:

– Se não estou muito bem, claro que faz falta alguém para passar a mão na cabeça, mas tenho as minhas amigas e a família. São minha rede.

No distanciamento social, ela segue focada em questões internas de sua loja e reclama da falta de autonomia. A rotina mudou, mas nada que a internet não resolva.

– Deixei de encontrar os meus amigos, tenho mais contato com a minha filha apenas. Mas assim, nada de solidão. Fazemos videoconferências entre amigos e também em família. É tudo virtual, mas estamos juntos.

Independência construída

Angelita Farias: “Sempre fui apaixonada por privacidade e silêncio”

A arquiteta Angelita Silveira de Farias, 43, mora há cinco anos em um lugar projetado para ser seu cantinho. O sonho de viver sozinha só não rolou antes porque ela precisou juntar uma boa grana para comprar uma casa com pátio que inclui um sobrado transformado em escritório.

Praticidade é a palavra que define Angelita. Filha única de pais atarefados, ela aprendeu a se virar sozinha desde de cedo e pegou gosto pela independência.

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– Sempre fui apaixonada por privacidade e silêncio. Preciso estar sozinha, ter momentos só meus, sinto falta – conta a arquiteta.

 Workaholic, Angelita costuma dedicar mais de 10 horas por dia ao trabalho. Entre projetos e a venda de máscaras de proteção, nem o distanciamento social fez com que ela baixasse a frequência. O mais difícil de morar sozinha é ter que lidar com a opinião alheia, conta:

– Sou focada. Para mim, a mulher não pode depender de ninguém: pai, filho, marido, de quem for. Nunca vi o estar sozinha como problema. Claro que tenho muitos amigos, gosto de estar com eles, mas prefiro estar só do que com alguém que me atrapalhe. Tem muita imposição sobre isso, mas sempre digo: encalhada é quem está presa em um relacionamento, eu sou livre para fazer minhas escolhas.

Angelita viaja, pega o chimarrão e vai a parques, compra ingressos para o cinema quando não tem parceria. Estar sozinha não a limita. Mas seu momento sagrado é em casa, deitada na rede estendida no pátio. 

Um bom livro em um dia ensolarado aproveitando a natureza no seu porto seguro é o resumo de desfrutar o prazer de sua própria companhia, ressalta:

– Árvore, flor, planta, céu, sol. É ali que me reconecto. Já ouvi muito que tinha que ser menos independente, e o problema não é esse. O problema é quando tu optas por sair da caixinha, do padrão.

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