Ao longo de toda a infância e adolescência, Inez Cabral cansou de ouvir seu pai, o poeta e diplomata João Cabral de Melo Neto (1920-1999), lamentar o ostracismo de Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei Caneca, herói pernambucano fuzilado em 1825 por liderar um movimento republicano durante o período monárquico. O assunto voltava de forma obsessiva: Caneca era um mártir quase ausente no imaginário nacional, pois “no Brasil só se fala em Tiradentes”. O autor de “Morte e vida severina” ia além: jurava que, se tivesse familiaridade com cinema, faria um filme contando os feitos do frade.
— Quando comecei a mexer com audiovisual, respondi ao meu pai: você não tem intimidade com cinema, mas eu tenho — lembra Inez, hoje com 64 anos. — Você escreve o texto e deixa que eu filmo a história.
Foram necessárias mais de três décadas de preparação, mas o tão sonhado projeto está perto de ganhar vida. Recém-aprovado pela Lei Rouanet, o filme está em fase de captação de recursos e deverá ser produzido sob o título “O frade”. Quando a claquete bater e Inez gritar “Ação!”, finalmente dará sequência a uma longa colaboração familiar. Artística e sentimental, vale frisar, pois reconciliou um pai e uma filha apartados por uma relação difícil. Cabral se encarregou do “roteiro”, que saiu do jeito que ele sabia fazer, ou melhor, em forma de teatro poético. Publicado em 1984, “Auto do frade” deveria ser a base do filme.
— Desde que o livro foi lançado, essa história martela minha cabeça e povoa meus sonhos — diz Inês, hoje radicada no Rio. — Falamos muito sobre o frade, sua vida, sua morte, o momento em que ela ocorreu, e claro, sobre minha visão em relação ao filme. Sobretudo nos últimos anos do meu pai, quando ele já estava praticamente cego, conversávamos todas as manhãs a respeito de seu trabalho e do meu sonho de filmar o “Auto…”. Leia mais em O Globo
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