
Com Isabelle Huppert, é baseado na história da italiana Eluana Englaro, que ficou em coma durante 17 anos até que o marido recebeu permissão do governo para desligar os aparelhos. Quando morreu, ela tinha 38 anos
Marco Bellocchio teve uma formação católica rígida, que o afligiu desde pequeno, pela “intolerância diante das questões complexas do mundo”. “Como meus pais estavam sempre ocupados [o pai era advogado e a mãe, professora], entregaram a minha educação e a de meus sete irmãos inteiramente às escolas católicas”, contou o italiano de 73 anos, um cineasta assumidamente laico. Bellocchio não emprega a palavra ateu, por não gostar do ranço de século XIX que ela traz. “Algumas impressões religiosas que trazemos da nossa infância são impossíveis de apagar, por impregnarem nossas almas para sempre. Ainda assim, consegui construir uma relação de troca e, ao mesmo tempo, de confronto com a Igreja”, disse o diretor, às voltas, em seu novo filme, com um tema delicado no universo católico: a eutanásia.
Vencedor do prêmio da crítica na última edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “A Bela Que Dorme” foge das respostas fáceis e evita tomar partido, limitando-se (no melhor sentido da palavra) a reafirmar a dignidade da vida. “No coração da trama está a liberdade, sem a qual a vida não faz sentido. Pelo menos para mim”, afirmou Bellocchio, um dos mais respeitados cineastas em atividade na Itália. São 28 longas-metragens na bagagem, incluindo “De Punhos Cerrados” (1965), “O Processo do Desejo” (1991), “A Hora da Religião” e “Vincere” (2009), ganhador de oito prêmios David di Donatello, o Oscar italiano.
Selecionado para os últimos festivais de Veneza e de Toronto, o filme, com estreia nacional marcada para o dia 5, baseia-se no drama verídico e controverso de Eluana Englaro. Depois de um acidente de carro, ela entrou em estado vegetativo, no qual permaneceu por 17 anos – até seu pai, Beppino Englaro, travar uma batalha judicial solicitando a remoção do tubo de alimentação que a mantinha viva. Amplamente divulgado pela mídia italiana, o que reacendeu o debate sobre a eutanásia, o caso se estendeu de 1999 até 2009, quando foi finalmente concedido o direito de retirar o suporte artificial de vida de Eluana, decisão bastante criticada pela Igreja Católica.
“Como o episódio mexeu muito comigo e com minha filha adolescente [Elena Bellocchio], pela atitude reacionária do povo italiano, sabia que tinha uma história poderosa nas mãos, capaz de levantar questões morais e religiosas”, disse Bellocchio, em entrevista ao Valor, concedida em Toronto. Mas o diretor preferiu “deixar o assunto esfriar”, guardando-o na gaveta, antes de levá-lo às telas. “O intervalo de mais de dois anos foi fundamental para me dar o distanciamento necessário para revisitar o caso de uma maneira descontaminada. Obviamente, eu tenho a minha opinião. Como artista, no entanto, minha obrigação é estender os meus horizontes e respeitar a posição dos outros. Sem isso, não haveria questionamento, o que é o meu maior objetivo.” Leia mais em valor.com.br