
Márcia Lage
50emais
Acordei estranhíssima. Aliás, estranhíssima estava desde a noite anterior. Não havia passado bem a véspera da audiência de conciliação na ação de Pequenas Causas movida contra uma empresa chamada Master Prev. A revolta é um sentimento que embrulha o estômago. Desequilibra a saúde.
Cinco meses tirando dinheiro da minha aposentadoria sem que eu soubesse. Ao me dar conta e cobrar a devolução, fui tratada com desrespeito e deboche. Quando o escândalo das fraudes do INSS veio à tona, eu já havia reivindicado os meus direitos na Justiça.
Chovia muito. Saí de casa para o Tribunal às 9:30. A Audiência estava agendada há mais de um mês, com a prioridade que idosos têm nesses casos. Cheguei na hora. Sala fechada. Batí. O conciliador, sozinho no recinto, pediu que eu aguardasse a parte contestada aparecer.
E ela não apareceu. Pela segunda vez. Na primeira, em março, mandou um representante silencioso, que não fez nenhuma proposta. O escândalo ainda não tinha vindo à tona. Era eu contra uma empresa, que depois se provou serem muitas. Mais de trinta Brasil afora, lesando aposentados e pensionistas.
A tal da Master Prev foi citada como participante das falcatruas do INSS só na semana passada. Apenas em julho de 2024 teria filiado 15 mil associados. Eu comecei a contribuir com ela, sem saber, em setembro. Em fevereiro deste ano descobri, cancelei e comecei a luta. Até agora, estou perdendo.
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A justiça brasileira não faz esforço. Ela espera que o advogado, a polícia e o reclamante apresentem a ela todos os fatos e todas as provas. Foi o que fiz. Mas anexei ao processo um endereço de Brasília da empresa que me lesou. A justiça mandou para lá uma intimação. Que, aparentemente, não chegou.
Pesquisando melhor, encontrei CNPJ e a sede da empresa em Barueri, SP. Deveria ter ido para lá a intimação? Talvez, se a Justiça fizesse um esforcinho de apuração de endereços. E mandasse a convocação para todos os que encontrasse.
Enfim, em cinco minutos fui dispensada da audiência que não houve e aguardo convocação da justiça para uma terceira vez. O Juiz pode julgar o caso à revelia, caso se interesse. Mas, desconfio que vão deixar o pepino para o governo resolver.
A diferença é que na Justiça a empresa tem que pagar por danos morais e correção monetária, o que dificilmente vai ocorrer no estorno do INSS. E assim, de crime em crime, a corrupção avança sobre nós feito abutres. Daí meu mal-estar.
É adoecedor viver num país onde a corda sempre arrebenta do lado dos fracos. Aos 70 anos, perdi a conta dos tombos que já levei. E em nenhuma ocasião a Justiça cuidou de mim. Tudo foi ignorado, arquivado, perdido. Estou doente. Estou de cama. Sofro de exaustão de derrotas.
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