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Isolamento social faz com que maiores de 60 invadam a internet

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A aposentada Marileida Gomes de Carvalho, de 71 anos, passou a resolver várias tarefas cotidianas na internet, como pagamento de contas Foto: Ana Branco / Agência O Globo

Eu vejo na minha própria família como o isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus fez com que boa parte dos mais velhos migrassem para a internet. Tenho muitos irmãos, todos com mais de 60 anos. A tecnologia – computador, celular – já fazia parte da vida deles. Mas desde que começou a pandemia ficam bem mais tempo ligados, seja no whatsapp, no facebook, no instagram, assistindo lives e até criando conteúdo para a internet. Uma das minhas irmãs trabalha numa escola. Como não há aulas presenciais, ela faz vídeos para crianças, que a escola disponibiliza para os pais. Como você vai ver nessa reportagem de Cássia Almeida, para o Globo,o mundo digital entrou definitivamente na vida dos mais maduros.

Leia:

Uma turma composta por quem tem mais de 60 anos invadiu a internet. Isolados pelo alto risco de se exporem ao novo coronavírus, esses brasileiros foram forçados a viver no mundo digital.

Banco, supermercado, aulas, encontros, cursos, teatro, livros, médicos, família, namoro, trabalho, todos os aspectos da vida passaram a se desenrolar nas telas do computador ou do celular.

Transferências e pagamento de contas pelo aplicativo do banco, que instalou em janeiro atendendo apelo do gerente, compras no supermercado e no hortifruti, encontros virtuais com a família e amigas entraram na rotina de Marileida, que até então preferia fazer as compras nas lojas físicas e pagar com cheque ou dinheiro:

— Minha filha vai ensinando: toca ali, toca aqui e vai fazendo. Quando tenho dificuldade, anoto. Depois de duas, três vezes, já tiro de letra. Minha empregada está afastada desde março e faço a transferência para ela. Também tiro segunda via das contas da minha irmã, pago e depois ela transfere o dinheiro para mim.

Marileida de Carvalho, 71 anos, em ação: após muitas dificuldades, ela dominou a tecnologia e não pretende abrir mão das facilidades após a pandemia Foto: ANA BRANCO / Agência O Globo

Novos hábitos ficarão no pós-pandemia

Marileida diz que deve manter os hábitos virtuais mesmo depois que uma vacina permitir que ela volte a sair de casa:

— Vou continuar a usar. Gostei muito. Facilita a vida. Só quero voltar a viajar.

Esse era um grupo que acessava pouco a internet antes da pandemia: 38,7%, contra 74,7% na média geral a população, segundo o IBGE. Mas já vinha avançando, e o instituto deve captar a alta quando for a campo de novo investigar o acesso à internet.

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No Supermercado Now, da B2W digital, o perfil etário já mudou. O número de clientes de 60 ou mais na loja virtual subiu 917% de janeiro a setembro frente mesmo período de 2019 e representa 14,25% do total. Os de 30 a 39 anos, faixa etária de maior consumo, são 30%.

— Na quarentena, muitas pessoas quebraram paradigmas e experimentaram algumas novidades, entre elas comprar on-line. Viram que funciona, é eficaz e atende às necessidades. Boa parte desses consumidores vai continuar comprando on-line, inclusive os com mais de 60 anos — diz Marco Zolet, diretor-executivo do Supermercado Now.

Faltam políticas de inclusão digital

A pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que o Brasil é desigual, com parte da população idosa sem computador ou internet e pouca escolaridade. E alerta para necessidade de políticas públicas:

—Inclusão digital virou uma política pública tão necessária quanto saúde, previdência. Tornar internet mais disponível com wi-fi é tão importante quanto luz elétrica.

É pela internet que a funcionária do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) Ana Margarida Pereira Pinto, que tem mais de 60 anos, vem cuidando da rotina, do supermercado às consultas médicas. A vida on-line até trouxe ganhos. Conseguiu fazer cursos virtuais:

— Queria fazer um curso na Bahia, agora estou fazendo on-line, ao vivo — conta.

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Sem perder duas horas por dia para ir de casa na Zona Norte do Rio até o Centro para trabalhar, ela está assistindo a mais peças de teatro e participando de círculos de leitura. Tudo pela internet.

— Quando veio a pandemia, achamos que o círculo do livro ia acabar. Pelo contrário, entrou no interior do Brasil, atraindo mulheres de mais de 60 anos, a maioria aposentada, que tem gosto pela leitura.

A professora Nilzete Rodrigues resistiu no começo, mas logo se adaptou às aulas on-line Foto: Acervo pessoal

Navegação até por voz

Mas não é uma adaptação fácil, diz Camarano. A inclusão digital desse grupo já vinha aumentando, mas para outros usos: redes sociais, aplicativos de transporte, mas não para tudo, como agora. A professora de empreendedorismo Nilzete Rodrigues, de 68 anos, resistiu no início:

— No começo, foi difícil. Não conseguia nem assistir a palestras, mas, depois de quase um ano parada, veio um convite para dar um curso on-line. E deu tudo muito certo.

O filho ajudou a acertar a luz, e um amigo instalou a plataforma das salas virtuais no notebook, numa vivência que ela acredita que não terá volta:

— Mas confesso que gosto mais do presencial. A professora gosta de olhar no olhinho do aluno, de trocar ideia.

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A tecnologia vai facilitar cada vez mais a vida dos mais velhos. Dificuldades de visão e de coordenação motora mais fina podem ser resolvidos com a navegação por voz, com assistentes pessoais, diz André Miceli, coordenador do MBA de Marketing Digital da (FGV):

— A navegação por voz deve ter crescimento exponencial. Assistente pessoal vai fazer companhia para o idoso.

Ainda assim, a aposentada Maria Inês Mauricio tem saudades da vida ao ar livre, do teatro, da dança, do convívio:

— Faço live com as amigas da praça, ginástica por vídeo. Faço até vídeo para o TikTok, falo com minhas filhas e neta, mas sinto muita saudade.

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