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Liberdade para ser quem a gente realmente é

É preciso encarar de peito aberto o que somos, seja lá o que for. Aos 50, a alma clama por sinceridade, impossível esconder-se de você mesmo.Foto: Pintura de Tânia Leal

Márcia Lage
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Causou polêmica a forma como a atriz Maitê Proença, 64, explicou o porquê de ter encerrado sua relação amorosa com a cantora e compositora Adriana Calcanhoto, 56. Maitê, até então conhecida por seus vários relacionamentos heteros, teria dito que, se Adriana Calcanhoto fosse homem, o affair, que durou oito meses, teria sido maravilhoso. Porém, no quesito sexo, ela ainda prefere a fórmula papai-mamãe.

Polêmica à parte, as relações amorosas entre mulheres, que ganharam muita visibilidade a partir da última edição dos Jogos Olímpicos, chega à terceira idade também. E não deve ser fácil administrar as reações sociais que a decisão de namorar pessoas do mesmo sexo acarreta, ainda mais depois de uma família criada no modelo tradicional.

Mulheres que decidem encarar esse desejo têm que quebrar muitos tabus: primeiro, o de revelar-se sexualmente ativa depois dos 50, coisa impensável no imaginário familiar/social. Depois, o de desejar ser fluida ou descobrir-se lésbica ou bissexual tardiamente. O termo fluido, para designar pessoas que se alternam em relações sexuais com diferentes gêneros, parece ter sido cunhado muito mais para explicar a busca de identidade sexual dos jovens que de pessoas que deveriam “sossegar a periquita”, como dizem por aí.

Na Argentina, existe até uma associação para dar suporte a essas mulheres. Criada por um casal de Lésbicas acima dos 60 anos, a organização oferece apoio psicológico a pessoas que não conseguem realizar-se afectivamente, por medo do julgamento da sociedade e da família. E da sua própria consciência amarrada em preconceitos, o que é o impedimento maior para todas.

Sou da opinião que ninguém pode viver na falsidade, em nenhuma etapa da vida, mas admito ser difícil para um jovem não assumir  papéis que a sociedade deseja impor a eles. Por imitação, respeito, admiração, pressão familiar, medo, muitos de nós vamos nos transformando em cebolas ao longo da vida, com camadas e camadas de máscaras que usamos em diferentes situações. Mas, ao ultrapassarmos a marca dos 50, é urgente que comecemos a nos descascar, a buscar o nosso cerne, a encontrar nosso “Dharma”.

Dharma é uma palavra do idioma antigo sânscrito, que significa “aquilo que sustenta, que mantém“. É um dos principais conceitos do Hinduismo, do Budismo e do Jainismo, e se traduz por lei universal da natureza, que se expressa em cada ser e, simultaneamente, em todo o universo, através de sua influência constante e cíclica; a justiça ideal que faz com que as coisas sejam o que elas são, ou o que devam ser.

Resumindo: ninguém pode viver fora da sua natureza, sem causar infelicidade a si e aos outros. Por isso penso que, se não encontramos o nosso “Dharma” até os 50, não podemos passar mais nem um minuto sem buscá-lo dentro de nós, dia e noite. E de encarar de peito aberto o que somos, seja o que for. Acredito que o pior de nós, a nossa sombra mais assustadora, já tenha se esvanecido nas diversas crises que enfrentamos antes da meia idade, e o que vamos libertar não é nenhum monstro, mas o melhor de nós. O que ficou escondido por causa dos pais, dos filhos, da sociedade, da tradição, da religião, do trabalho.

Para promover essa libertação, no entanto, é necessário conhecer-se. Não dá para chegar à velhice com a cebola tão crescida que as cascas não se desfazem, impedindo de vir à tona outra pessoa, alguém que esmurra o armário para sair e respirar. Pode ser um gay, um artista, um casado querendo divorciar-se, uma alma livre soterrada por camadas e mais camadas de mentiras, frustrações, desilusões, medo, vergonha, raiva, culpa, tudo prensado em meio século de vida ignorada, sufocada, desperdiçada em disfarces.

Gasta-se muito dinheiro em pintar e repintar essa “prisão”, quando lá dentro a alma luta por libertar-se. Aos 50, é hora de começar a desintoxicar-se, de fora para dentro, de dentro para fora. O corpo pede menos sal, menos

açúcar, menos álcool, menos cigarro, menos tudo que apodrece, empedra, emperra, limita. A alma clama por sinceridade, respeito, compreensão, perdão, felicidade. Não há mais tempo a desperdiçar. O que ficou oculto terá que vir à tona, ou nascerá de nós um velho amargo, sem paz consigo mesmo e com o seu tempo.

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