Márcia Lage
50emais
Um rio, um trem, uma serra, uma cidade e um homem. Não um homem qualquer, mas um daqueles raros que, por onde passam, transformam as pessoas e a paisagem, deixam um legado, um recado, um modelo a ser seguido para o bem de toda a humanidade.
Estou falando do fotógrafo Sebastião Salgado e de seu maior feito, além das imagens em preto e branco que denunciam, no silêncio das sombras e dos contrastes, a maldade humana, sua capacidade infinita de destruição ambiental e exploração do semelhante.
Doente de tanto ver miséria pelo mundo afora, o fotógrafo voltou à cidade onde nasceu, Aymorés, em 2001, para recuperar-se das ilusões perdidas no colo do pai, nos banhos no Rio Doce, nas matas de sua infância. Encontrou o pai já cansado da luta, uma fazenda em decadência, o rio seco e a Mata Atlantica devastada.
Curou-se curando aquele pedaço de terra de onde saiu para a fama, criando o Instituto Terra, para mostrar ao mundo que é possível regenerar uma natureza degradada. Que é possível, inclusive, não destruir a natureza.
Ele não estava na fazenda quando chegamos lá. Eu e um grupo de pessoas de 60 anos ou mais, dessas que, como Sebastião Salgado, ainda acreditam num mundo mais respeitoso. Fomos no trem que liga Belo Horizonte a Vitória, um trem lento que a Vale do Rio Doce mantém como termo de ajuste de suas condutas nada saudáveis para com o meio ambiente.
O Instituto Terra está a 2km da cidade de Aymorés, onde o Rio Doce foi desviado para a construção de uma barragem e o espelho d’água que refletia as serras é hoje um fundo de pedras que não serve para nada.
A cidade é quente e seca, mas quando se entra no Instituto Terra a temperatura cai dois graus. Lá estão os jardins da Lélia, a admirável companheira de Sebastião Salgado, que o acompanha, estimula, apoia e ampara desde que se casaram, em 1967.
Os jardins demarcam as construções da propriedade, constituídas da antiga fazenda, dos currais e de novas obras que compõem escolas de formação de ambientalistas, apicultores. coletadores de sementes, produtores de mudas nativas, plantadores de florestas e salvadores de nascentes.
Pelos morros pelados sobe o verde dos pau-Brasil, das paineiras, dos ipês, das canafístulas, mudando a olho nu e em registros de satélite a cor e a qualidade do solo. Nesses 23 anos de trabalho contínuo de regeneração da fazenda de 2 mil hectares, milhares de árvores foram e continuam sendo plantadas, trazendo de volta a fauna nativa, devidamente acompanhada e registrada.
Até animais do topo da cadeia alimentar, como a Jaguatirica e a onça parda já retornaram ao lar, junto com as Preguiças, os tatus Canastra, os lobos Guará, os pássaros, as cobras, os quatis e tudo o mais que compõe a floresta nativa.
O rio continua magro, mas a esperança do Instituto é que engorde novamente e se lave da desgraça que o rompimento das barragens da Vale, em Mariana e Brumadinho, causaram ao seu curso, por meio da recuperação de 300 mil nascentes que o alimentam. E que também foram degradadas por incêndios e desmatamentos, enquanto Sebastião Salgado corria mundo registrando trabalho aviltante, guerras civis e migrações forçadas.
Agora, ele registra a reconstrução do seu pequeno mundo e ninguém sabe quando é que dará por concluído esse belo trabalho fotográfico.
Aos 83 anos, ele acompanha de Paris, onde mora com sua Lélia, o milagre da multiplicação de espécies nativas, no gigantesco viveiro do Instituto, e da multiplicação de ideias ambientalistas entre os pequenos produtores locais.
A herança do fotógrafo não é para o filho, que conduz o Instituto. É para Minas, para o Brasil e para a biosfera. Mais que um legado, um exemplo. Uma exposição permanente de um recorte do que é possível fazer quando um propósito de vida supera ambição e fama, transformando-se em missão para o bem da humanidade.
Leia também de Márcia Lage:
Aos 79, Marly decide voltar a viver na pequena cidade onde nasceu
Em busca de um programa de ecovilas para idosos
Cavalos e cavaleiros fazem a festa de Sâo Lázaro
A energia renovadora de uma criança alegre
O reencontro alegre e divertido de sete irmãs
Tecnologia é injusta com idosos e com quem tem poucos recursos
O fogo sagrado de Pentecostes me ungiu
Por que você tem que assistir ao filme “As Órfãs da Rainha”
Mulheres estão parando de dirigir depois dos 60
Com a idade, vida sexual não acaba? Quem disse?
Jardinagem como terapia e prevenção de doenças
Muito legal!
Adorei!
Quero saber mais!
Sebastião, amo.❤️