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Mulheres que se tornam grisalhas precocemente, antes dos 40

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“As pessoas têm que ter a liberdade de ser o que elas querem”, diz Irlana de Jesus Ferreira, de 35 anos Foto: Arquivo pessoal

Uma reportagem, de Raphaela Ramos para o Globo, contando a história de mulheres que, tendo ficado grisalhas muito cedo, decidiram abrir mão da tinta e por fim à obrigação de retocar os cabelos a cada duas ou três semanas. Adeus salão de beleza! Nem sempre é fácil assumir os fios brancos, sobretudo num país que, apesar de estar envelhecendo rapidamente, ainda cultiva a juventude. Mas, como diz uma das entrevistadas ” as mulheres estão ganhando mais essa liberdade, porque para os homens o cabelo grisalho sempre foi considerado charmoso, mas para nós não. Estamos rompendo com padrões estéticos ultrapassados.”

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“Revolução grisalha” faz sucesso entre mulheres na faixa dos 30 anos. Período de isolamento domiciliar devido ao coronavírus pode facilitar o processo de assumir os fios naturais

Raphaela Ramos

Se por muito tempo uma mulher deixar o cabelo branco foi considerado sinônimo de “desleixo”, essa percepção está mudando. Cansadas da rotina exaustiva de pintar as raízes a cada uma ou duas semanas para se enquadrar no padrão estético, mulheres na faixa dos 30 estão optando por deixar os fios grisalhos tomarem seu lugar natural. Como forma de criar uma rede feminina de apoio e inspiração, elas compartilham o processo de transição em suas redes sociais. 

A atriz Ana Fonte, moradora de São Paulo de 35 anos, é uma das mulheres que estão passando por essa transformação. Sua primeira experiência com tinta de cabelo foi aos 13 anos, quando precisou ficar loira para um teste para as Paquitas da Xuxa. Aos 18, os cabelos brancos já começavam a aparecer e passou a tingi-los de castanho. Aos 26 tentou ficar loira de novo, por ser mais fácil de “disfarçar”os fios grisalhos, mas não se identificou com o tom.

— Trabalhando como atriz eu não podia deixar o cabelo branco, sabemos como é a ditadura da tinta para as mulheres — ela conta.

Cansada da rotina de tingir os cabelos, a qual se sentia obrigada a realizar, Ana começou a pesquisar referências e descobriu um movimento de “revolução grisalha”, que serviu de inspiração. Depois de pintar o cabelo pela última vez em janeiro deste ano, ela decidiu parar. 

— As mulheres estão ganhando mais essa liberdade, porque para os homens o cabelo grisalho sempre foi considerado charmoso, mas para nós não. Estamos rompendo com padrões estéticos ultrapassados. Já rompemos com tantos, por que não esse? Além disso, o cabelo sem tintura fica mais saudável e cresce mais— ela conta. 

Como a maioria das referências encontradas por ela eram dos Estados Unidos, onde existe o que ela chama de “comunidade grisalha” mais desenvolvida, Ana decidiu criar uma página no Instagram para dividir seu processo com outras mulheres.

— Decidi fazer como estavam fazendo lá fora, porque imaginei que teria um monte de brasileiras querendo começar e outras já passando por esse processo. É uma rede de apoio para continuar, porque a fase de transição é muito difícil. Às vezes seu cabelo fica com três cores. Não é bonito, mas é libertador. Quando a gente se sente livre se sente mais bonita — diz ela.

“Precisamos ser livres para envelhecer como quisermos”, defende Ana Fonte, de 35 anos Foto: Arquivo pessoal

A atriz observa que por muito tempo pintar o cabelo foi uma forma de poder para as mulheres que hoje estão na faixa dos 70 anos. Por isso, para algumas delas isso ainda é uma questão. Mas Ana acredita que as mulheres mais novas estão se abrindo mais aos fios naturais.

— Precisamos ser livres para envelhecer como quisermos. Até porque cabelo branco não é coisa de gente velha, se fosse não teríamos aos 18, 19 anos. É um padrão estético. Isso não define se a mulher é cheia de vida ou não — defende. 

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A baiana Irlana de Jesus Ferreira, de 35 anos,  também passou por esse processo. No seu caso, os cabelos brancos surgiram já aos 15 anos e ela conta ter sido influenciada a pintar pela família.

— Minha mãe dizia que se não pintasse pareceria descuidada, que não ligava para a aparência. Mas não gostava de ter que ficar o tempo todo fazendo aquilo. Meu cabelo tem um crescimento muito bom, então se eu pintava hoje na outra semana já estava com o pé branco de novo — conta a supervisora de atendimento comercial.

No seu caso, a transição foi dupla, porque além de tingir Irlana também alisava o cabelo. Primeiro, ela fez a transição para o crespo, aos 23 anos, durante sua gravidez, e conta ter enfrentado bastante preconceito porque não era algo tão comum na época. Em 2018, resolveu fazer um corte radical e, com o cabelo bem curtinho, os fios brancos acabaram aparecendo.

— Quando cheguei em casa, meu marido amou! Aquilo foi um incentivo porque eu já queria há muito tempo me libertar da tinta, então em fevereiro de 2018 decidi parar de pintar. Sofri muito preconceito, mas também recebi elogios. Acho que as pessoas têm que ter a liberdade de ser o que elas querem — diz ela.

Ao perceber que exemplos de mulheres passando por esse processo não eram tão comuns no país, Irlana também criou uma página no Instagram, tanto para inspirar outras mulheres quanto para buscar inspirações para si. Dois anos depois de assumir o cabelo completamente natural, ela agora passa por uma nova mudança: quer deixar os fios crescerem.

— É uma luta diária, vejo muitas mulheres dizendo que têm vontade de parar de pintar mas não conseguem. No mercado de trabalho, dependendo do que a mulher faz, existe preconceito; as pessoas acham que ela não se cuida. Mulheres solteiras também já me relataram que muitos homens não acham legal. Acho que ainda não é algo muito aceito na nossa cultura. Mas o importante é eu me olhar no espelho e me sentir bem — afirma, e conta que tem incentivado mulheres a experimentarem parar de tingir durante o período de isolamento domiciliar.

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A carioca Luciene Cordeiro, de 38 anos e gerente de projetos, é uma das mulheres que está aproveitando esse momento em casa para fazer a transição. Ela já vinha conversando sobre o assunto com o marido, que a incentivava a deixar os fios brancos. Quando começou o distanciamento social, ele disse que não teria oportunidade melhor.

— O primeiro mês foi a pior fase, não tirei nenhuma foto, porque parece que é um certo relaxamento. Como se eu estivesse assim porque o salão está fechado, sendo que eu já pintava em casa, porque eram muitas vezes. Agora, estou há nove semanas sem pintar e dá para aparecer bem. Eu faço penteados para mostrar ainda mais e deixar claro que eu escolhi ficar assim — ela conta.

— As poucas vezes que saio para ir no mercado vejo pessoas olhando, mas não de forma ofensiva, só por ser algo diferente. Acho que vai ser o mesmo depois. Se a gente está em um mundo novo e nele continuar sem se aceitar, o que de novo gerou? Estou focando muito em me aceitar mais — diz.

A trabalhadora autônoma Paula Soares Barbosa, de 36 anos e moradora de Minas Gerais, começou sua transição para o grisalho em 2018. Ela já tinha tentado parar de pintar outras duas vezes, mas acabou desistindo. Dessa vez, aproveitou o período de isolamento domiciliar para repicar o cabelo e agora chegou ao fim de sua transição.

“Estou focando muito em me aceitar mais”, conta Luciene Cordeiro, de 38 anos Foto: Arquivo pessoal

No caso de Luciene, os primeiros fios brancos começaram a aparecer por volta dos 13 anos de idade. Aos 20, ela tinha uma mecha branca na parte da frente e começou a pintar. No começo, variava bastante: ficava loura, depois ruiva. Mas, depois dos 30, percebeu que já não pintava por estética, só retocava a raiz. O que antes era de mês em mês passou a ser necessário a cada 15 dias.

— Já aconteceu de, no fim de semana, não dar tempo de retocar e eu me lembrar no domingo à noite e ter que pintar por conta do trabalho no dia seguinte. Tinha que tingir, lavar e secar, para de manhã estar direitinho e dentro dos padrões, porque não é comum ver uma pessoa grisalha aos 30 e poucos anos — explica.

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Ao decidir iniciar o processo de transição, Luciene dividiu a novidade em suas redes sociais, e a maior parte das repercussões foram positivas. Quando postou a primeira foto no fim do primeiro mês sem tinta, recebeu elogios e depoimentos de mulheres que também têm vontade de passar por esse processo. Depois que o isolamento acabar, ela acredita que não vai ser difícil mantê-lo.

— Tenho cabelo branco desde os 20 anos e, aos 23, comecei a pintar. Usei todas as cores, foi divertido, era uma mudança legal. Até que deixou de ser e se tornou uma obrigação pintar o cabelo a cada duas semanas. Tentei parar outras vezes, mas eu mesma tinha preconceito e acabava desistindo rapidamente — ela lembra.

Paula também buscou por referências no exterior e chegou a encontrar algumas brasileiras na internet que passavam por esse processo. Isso fez com que se sentisse mais encorajada e descontruísse os conceitos de que cabelo branco é sinônimo de desleixo ou velhice. Ela passou então a postar sobre o seu processo, com o objetivo de apoiar outras mulheres.

— É importante ter um referencial no seu país, da sua idade. O apoio também é importante, mesmo que seja virtual, porque você pode receber muitas críticas. As pessoas se sentem encorajadas a criticar o diferente — afirma.

“Manter o cabelo branco é uma escolha, não uma nova obrigação”, afirma Paula Barbosa, de 36 anos Foto: Arquivo pessoal

Paula lembra que chegou a receber críticas de pessoas que nem a conheciam. Em uma das situações mais inusitadas, ela foi abordada durante um velório, quando uma pessoa se apresentou e pediu que pintasse o cabelo. Hoje, com os fios totalmente grisalhos, já não recebe mais esse tipo de abordagem.

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Ela conta estar percebendo um boom de mulheres passando por esse processo e acredita que o isolamento domiciliar possa ajudar a incentivá-las. Paula espera que essa seja uma mudança de comportamento. No entanto, ela reforça que manter os fios naturais não deve ser uma obrigação para nenhuma mulher, apenas mais uma opção.

— Manter o cabelo branco é uma escolha, não está sendo criada uma nova obrigação. Ninguém pode estar infeliz e achar que não pode pintar. Temos que ter liberdade com a nossa imagem e ser quem queremos ser. Se eu um dia quiser pintar de novo, eu quero ter essa liberdade — conclui.

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