Isabel Perez
O que estará fazendo o corpo de uma mulher insinuante, com um decote ousado e a bandeira brasileira destacada no traseiro, na capa de um livro sobre “o maior caso de corrupção da história política brasileira”? Cercada de mensaleiros com copos de champagne à mão, máscaras carnavalescas emoldurando os rostos e olhares oblíquos, a moça é retratada de costas, com uma mala de dinheiro saindo pelo ladrão em primeiro plano. O autor da ilustração e os responsáveis pela editora Leya que aprovaram a ideia mal devem ter escondido o sorriso de satisfação com a “genial” criação.
Mas com que direito lançam mão do corpo feminino para simbolizar a República prostituída pelos assaltantes de plantão? Estivéssemos na Europa, sede da Leya, dificilmente a editora escaparia da reação hostil de uma sociedade mais afeita à igualdade de gêneros e ao respeito à figura da mulher. No Brasil, os críticos da injuriosa ilustração, se existirem, serão rapidamente tachados de politicamente corretos e ridicularizados pelos jornalistas especializados em ofender e atacar reputações, com a destreza dos que se sabem acobertados pelos que manejam seus cordéis.
A verdade é que não devemos temê-los e sim enfrentá-los para dizer em alto e bom som que o livro (sim, a capa é parte dele) de Marco Antônio Villa sobre o caso do mensalão corrompe, mais uma vez e de forma gratuita, o corpo da mulher – esse artigo tão desprezível na sociedade machista em que vivemos. Em outras palavras, um livro que vem sendo incensado como uma contribuição importante na luta contra a endêmica corrupção brasileira é um acinte para todos os que se empenham em construir uma sociedade igualitária entre homens e mulheres.
Em tempos de revelações de alcova, com o episódio que envolve a chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo e o ex-presidente Lula, é sempre bom lembrar que nem toda brasileira é Rosemary. Ou melhor, como bem diz a música de Rita Lee e Zélia Duncan, nem toda brasileira é bunda!
Pagu
Rita Lee e Zélia Duncan
Mexo, remexo na inquisição
Só quem já morreu na fogueira
Sabe o que é ser carvão
Eu sou pau pra toda obra
Deus dá asas à minha cobra
Minha força não é bruta
Não sou freira
Nem sou puta…
Porque nem
Toda feiticeira é corcunda
Nem
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Sou mais macho
Que muito homem
Nem
Toda feiticeira é corcunda
Nem
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem…
Sou rainha do meu tanque
Sou Pagu indignada no palanque
Fama de porra louca
Tudo bem!
Minha mãe é Maria Ninguém
Não sou atriz
Modelo, dançarina
Meu buraco é mais em cima
Porque nem
Toda feiticeira é corcunda
Nem
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem…
Nem
Toda feiticeira é corcunda
Nem
Toda brasileira é bunda
Meu peito não é de silicone
Sou mais macho
Que muito homem…
2 Comentários
pessoalmente não acho que corrompe a figura feminina. Há mulheres que participaram do mensalão. Há sexo envolvido no mensalão. Achei boa a idéia.
Achei que o texto procede porque, talvez pela primeira vez no Brasil um escândalo – o mensalão – não tem qualquer conotação sexual. Houve duas ou três mulheres envolvidas, como a dona do Banco Rural, Kátia Rabelo, e uma funcionária da agência de Márcos Valério, em BH, Simone Vasconcellos. Todas duas associadas ao dinheiro que fomentou o mensalão. Esse foi um escândalo envolvendo sobretudo homens, poder. Por isso, não vi sentido na capa, a meu ver, mais uma expressão do machismo que impera nesse Brasil de céu cor de anil. Maya