
Márcia Lage
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Airton Krenack, nosso escritor imortal, que pensa o universo pela experiência indígena, disse numa entrevista recente que não tem esperança de que, na COP30, saiam propostas e atitudes capazes de frear a iminente tragédia global que a crise climática já vem provocando por toda parte.
Esperança, para ele, não é ficar sentado aguardando que a fúria da natureza passe, como se ela estivesse numa crise nervosa. É agir, transformar a palavra em ação, em atitude.
Esperançar, como dizia o antropólogo Darcy Ribeiro. Agir com decisão, com disciplina e rigor tecnológico. E a partir de atitudes certas, aguardar os resultados. Acreditar na capacidade humana de refazer o que desfez.
O que vemos, no entanto, é muito discurso e pouca ação. A mim me preocupa, especialmente, o retrocesso que tivemos na questão do plástico. Há dez anos esse assunto estava na pauta do dia. Chegamos a proibir as sacolas plásticas nos supermercados.
Aí veio o lobby da indústria e apresentou sacolas biodegradáveis, garrafinhas de água que se desmancham nas mãos e um exército de catadores que, como aves de rapina, dariam conta dessa carniça urbana que entope rios e oceanos. E até nossas veias.
A degradação do plástico “biodegradável” em pedaços microscópicos no meio ambiente tornou-se uma ameaça invisível.
Respiramos essas partículas, que se alojam em nossos pulmões, coração, corrente sanguínea, cérebro e até placenta.
Estudos científicos recentes creditam várias doenças humanas à presença dessas microesferas em nosso organismo.
É um problema gerado pela irresponsabilidade da indústria, contra a qual nenhum país luta.
O Brasil, por exemplo, não assinou acordo de redução da produção de plástico em debate na ONU.
E a insistência do governo em explorar petróleo na Foz do Amazonas é uma prova evidente de que o país aposta, firmemente, na indústria de derivados, como o plástico e o isopor, quando os meios de transporte já migram para energias menos poluentes que gasolina e diesel.
E quando o mau exemplo vem de quem manda, quem obedece relaxa.
Os consumidores continuam usando sacolas plásticas nos supermercados, duas de cada vez, para economizar na compra de outras para as lixeiras domésticas.
A mania do i-food, adotada na pandemia, não refluiu com a volta à normalidade. O normal é pedir comida em casa. E ela vem numa embalagem de isopor, dentro de um saco plástico.
No outro, uma garrafa de refrigerante. Cada habitante que se alimenta dessa forma produz meio quilo de material não reciclável por dia.
E para onde vai tudo isso se o catador descartar o que é sujo? Para as praias, os mangues, os rios, córregos, bueiros.
Inundam o meio ambiente e obstruem a passagem das chuvas, provocando alagamentos e enchentes. Matam a vida aquática. Aquecem os oceanos. Desequilibram as marés e as tempestades.
O aumento do uso de material plástico no mundo saltou de 400 milhões de toneladas por ano para 516 milhões de toneladas nesse 2025.
Até as sorveterias trocaram as pazinhas de madeira compostáveis para colherinhas de plástico.
Os canudinhos estão longe de serem banidos. E as garrafas pet engarrafam tudo. Do refrigerante à cachaça, dos sucos naturais à água de coco.
Falta consciência coletiva e individual. Enquanto isso, o planeta ferve. O que ele vai fazer para se limpar desse lixo atingirá a todos. A exemplo do Airton Krenack, não acredito em palavras e acordos assinados em eventos. Precisamos repensar seriamente os nossos hábitos de produção, venda, consumo e reciclagem. Se quisermos ter esperança, temos que esperançar.
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