
Márcia Lage
50emais
Causou tristeza e consternação, há poucos dias, uma postagem nas redes sociais da cantora Angela Ro Ro. Muito abatida, com dificuldade para falar, a artista pedia ajuda financeira para se tratar de um possível câncer.
Uma pergunta que todos se fazem é: como é que uma pessoa que vive da música há 45 anos, não tem dinheiro para se manter na velhice?
Somos um povo que vende o almoço para pagar o jantar, com baixa educação financeira. Mas não é o caso de se julgar quem quer que seja.
Somos, também, um país muito instável economicamente e, de uns anos para cá, o dinheiro ficou mais caro que ouro. Milionário era alguém que havia conquistado – ou poupado – um milhão de reais.
Hoje, esse valor não compra um bom apartamento de três quartos nas nossas principais capitais. Certos carros de luxo já alcançam essa cifra. E quem deseja entrar nesse mundo de luxo e ostentação passa aperto.
Entre poupar e viver, muitos vivem intensamente, sem pensar no dia de amanhã. E muitos vivem com a corda no pescoço, porque a distância entre os proventos de um juiz, de um militar de alta patente, de um político ou de um jogador de futebol (homem, é bom destacar) e o salário médio da população é proporcional à distância entre a Terra e o Sol.
Angela Ro Ro está doente e teve que cancelar shows. Quer dizer, deixou de trabalhar. E de ganhar. Junto com ela, dezenas de outros cantores e atores terminam os dias no Retiro dos Artistas, aposentados antes da hora por um tipo de profissão preconceituosa, que acolhe jovens e descarta velhos com a mesma facilidade com que monta e desmonta cenários.
Então, voltamos à questão que se coloca, que é a da provisão na velhice. Muito mais difícil de ser feita quando o trabalho é irregular, sem a estabilidade e o crescimento na carreira que os serviços públicos proporcionam.
Como economizar? Quais são os seguros que o pais oferece e qual o custo disso? Como pagar o plano de saúde depois da aposentadoria? Os governos pensam nisso? Os sindicatos pensam nisso? Há alternativas para quem está fora do mercado de trabalho?
Como prever, com segurança, quantos anos alguém vai viver? O aumento da média de vida da população só serve para justificar reformas na previdência pública. Não há políticas públicas de proteção aos idosos. Como Angela Ro Ro, eles são abandonados à própria sorte quando deixam de contribuir com o sistema (já contribuíram antecipadamente, é bom não esquecer).
O fato é que na velhice os rendimentos encolhem na inversa proporção dos gastos. Quem tem jogo de cintura vai se adequando, vai mudando os hábitos, gastando menos e economizando mais. Nem todos conseguem. Mudanças envolvem um outro tipo de educação além da financeira: a capacidade de adaptação.
Se a doença vem, o jeito é contar com a caridade alheia. E as vaquinhas virtuais viraram febre na Internet. É um sinal do fracasso do neoliberalismo, que foca na riqueza de poucos e sufoca o restante da população, mantida como reserva de sustentação para o luxo da minoria.
Valores nas contas dos atuais bilionários do mundo são um insulto à fome global, ao desamparo das populações sob o fogo cruzado das guerras, ao desnorteamento das populações de rua açoitadas pelas intempéries e pelo assédio do tráfico. Um artista pedindo dinheiro por pix é mais um fracasso dessa política econômica mundial, muito eficaz em construir “neobilionários” insensíveis e “neopobres” desesperados.
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