
Pedro Augusto Leite Costa
50emais
Jamais imaginei tornar-me discípulo de Immanuel Kant nesta idade. Kant acreditava que a liberdade está em fazer o que não se quer. Mas às segundas, quartas e sextas acordo, ponho um calção de banho e, praticamente nu, pego a bicicleta, desço um morro de ventos uivantes e chego à praia na ilha onde moro, Lopez Island, no noroeste do Pacífico. É o que o pessoal chama aqui de Plunge (imersão, mergulho etc).
Lá, já embuido de Kant e me perguntando o que eu estou fazendo ali, encontro outros doidos da minha idade. Umas 15 senhoras e dois senhores. Eu e outro sofredor. Sem falar muita coisa, que é para não estragar o momento, entramos na água a 8 graus celsius, e ficamos lá por 5 a 10 minutos. Os homens permancem calados, mas as mulheres não param de falar logo que colocam o corpo n’água.

Se você pensa que entrar na água gelada é difícil, é difícil mesmo. O mar geralmente é calmo, sem ondas, uma silenciosa e misteriosa lagoa gelada: algas marinhas vão e voltam, bem como alguns leões marinhos que se desviaram das rotas profundas.
Os pés gelam, depois as pernas, depois as partes baixas…e aí você entrega seu corpo para Deus. Mergulha direto para evitar mais sofrimento. O corpo fica vermelho, reage como pode, enrijece, mas se acostuma. (É aquela mesma história do sapo na água quente, só que o contrário).
Outro aspecto interessante é que, quanto mais frio fora, mais suportável a água se torna (contradições da natureza). Durante a tortura, a gente se olha, sorri, comungando um orgulho vitorioso.
Ao sair, monto na bicicleta, (quase) nu em pêlo, e volto correndo pra casa, onde tomo um banho pra lá de quente. Fico parecendo aqueles frangos que a gente, no passado, depenava na água fervente.
Depois, o corpo demora a se acostumar com a vida terrestre, ainda precisa de umas duas horas para voltar ao normal, mas até la você já enfrentou o gerente do banco, já arrumou sua cama, fez café, checou os emails, teve algumas conversas de conteúdo, como se diz hoje em dia, e está pronto para o sucesso. Ou resiste melhor aos fracassos.
Quando descrevo esta tortura semanal, o pessoal fica até com pena de mim. Uns ficam prestando atenção no meu olho, à procura de algum parafuso solto. Outros sentem arrepios, prometendo a si mesmo que jamais farão tal loucura.
Leia também: Avanço da Inteligência Artificial pode levar ser humano a viver indefinidamente
Mas já está comprovado que a mudança de temperatura é um elixir para eternidade (a gente é eterno enquanto dura, parafraseando Vinicius de Moraes). A primeira pessoa que me disse isso foi um tio médico, em Belo Horizonte, já falecido, que descobriu que eu estava com gota no pé – coisa de velho.

Depois li estes livros do maluco do Wim Hof, the Ice Man, que entra em águas geladas por muito mais tempo e corre o mundo enaltecendo esta disciplina.
Poderia descrever aqui outros benefícios, como a redução da inflamação corporal, mãe de todos os nossos males na idade adulta, a melhoria da circulação, a redução do estresse (para quem ainda tem estresse) e até – acreditem – redução do peso. Mas isso está super presente nos TikToks da vida.
Leia 50emais: O prazer de viver renovado em cada aula
O que me intriga é que eu, indisciplinado desde o nascimento, abracei esta disciplina e me sinto bem melhor diariamente. É uma resposta ao desânimo, à depressão (quem não a tem?), às agruras da velhice.
Quando volto para a casa, olho para os céus e vejo Deus sorrindo pra mim.
Leia também: Os bons hábitos que podem fazer você ganhar 10 anos de vida





