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Quem sabe nos encontremos como nação

“Por que sonhei que estava em um trem?  Talvez por causa da eleição que se aproxima e da sensação de que o país descarrilhou.” Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage

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O trem voava por levitação magnética, a uma velocidade de 500 km por hora.  Paisagens riscavam as janelas em fotografias borradas de  florestas,  plantações de soja, ríos serpenteantes. Mil e duzentos passageiros trabalhavam em seus laptops conectados à Internet 5G, liam e-books ou assistiam à programação das telas de cada poltrona.

A luz e a temperatura interna das cabines eram confortáveis como um útero. Em quatro horas eu desembarcaria em Belém,  no Para.  Se fosse de avião levaria duas horas e meia e,  de carro ou ônibus,  28 horas no mínimo.

Havia embarcado em Brasília,  em uma monumental estação que ligava o Brasil de norte a sul com estes fantásticos trens de alta velocidade.  O ramal Norte ligava o DF ao Pará,  com parada em Palmas,  no Tocantins.

De Belém, havia trens de velocidade média (300 km/hora)  que serviam a todas as capitais da região. Era a nova maneira de entrar na floresta amaznôica,  declarada patrimônio universal.

O ramal Sul seguía de Brasília ao Rio Grande do Sul,  numa linha direta que passava por Goiania,  Uberlândia,  São Paulo,  Curitiba,  Florianopolis e Porto Alegre. Dessas capitais,  como no norte,  outros ramais alcançavam os demais Estados.

Não havia quem não sucumbisse à ideia de explorar o Brasil, ao ver as imagens gigantes  das atrações turísticas de todas as cidades alcançadas pelos trens,  que adornavam a estação central em Brasília. Os trens partiam lotados todas as noites e o turismo interno já era a maior fonte de crescimento do PIB.

Mineração e exploração de madeira de lei para exportação eram coisas do passado. As belezas naturais do país eram o novo ouro da Nação.  A chegada dos trens havia baixado o preço das passagens aéreas e os ônibus mudavam de rota para unir as cidades aos trens.

Eu já antecipava na boca o gosto do sorvete de Castanha do Pará que eu tomaria na Sorveteria Cairu assim que desembarcasse em Belém,  quando fui sacudida por um passageiro: “Ponto final, senhora”! Desci numa rodoviária sinistra,  com gente aos gritos oferecendo água,  táxi,  Uber,  tentando puxar minha mala,  um despertar apavorante.

Subí as escadas rolantes que estavam paradas,  atravessei o saguâo dos letreiros das companhias de ônibus que uniam o Brasil de norte a sul,  de leste a oeste, a 80 km por hora, e desci do outro lado,  onde comprei uma passagem para Paraty.  Em cinco horas,  se o trânsito na avenida Brasil permitisse,  eu rompería os 248 km que faltavam para eu chegar em casa. O primeiro trecho,  de Belo Horizonte ao Rio,  de 440 km,  havia sido transposto numa viagem noturna de 7 horas.

Por que sonhei que estava em um trem?  Talvez por causa da eleição que se aproxima e da sensação de que o país descarrilhou. Junguianamente,  compartilho meu sonho com os candidatos à presidência,  para que parem de falar mal uns dos outros e apostem no futuro do transporte de massa no país.  Quem sabe,  assim,  finalmente nos encontremos como povo e como Nação!

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