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Sinais de que você envelheceu: usa relógio de pulso, deita cedo…

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Restam os consolos. Falamos em permanecer jovens no coração, que nossa cabeça é de 20 anos, que ainda fervilhamos de sonhos, que não trocaria minha maturidade pela pele lisa de outrora

Maya Santana, 50emais

Nesta crônica, publicada em O Estado de S.Paulo, o historiador e professor universitário Leandro Karnal fala da passagem do tempo, do envelhecimento, que chega para todo mundo, menos para os que se vão deste mundo mais cedo. O autor nasceu em fevereiro de 1963. Tem, portanto, 55 anos. E descreve muito bem como, aos poucos, a idade vai se impondo: “Sim, você sabe que envelheceu. Existem sintomas evidentes: você usa relógio de pulso, possui guarda-chuva, deita cedo, tem refluxo se bebe à noite ou come algo pesado depois das 18h, fica tenso com celular novo, chama ensino fundamental de ginásio e o médio de colegial, não consegue aprender a reforma ortográfica que retirou trema ou o acento de ideia, prefere livros em papel…” E cita vários outros fatos que atestam como o tempo passou: para ele e para nós.

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O susto de reencontrar alguém que não vemos há anos é o impacto do tempo. O desmanche alheio incomoda? Claro que não, apenas o nosso refletido na hipótese de estarmos também daquele jeito. Há momentos nos quais o salto para o abismo do fim parece mais dramático: especialmente entre 35 e 55. Se você viu alguém na fase que os americanos chamam de “early thirties” e depois reencontra o mesmo ser com mais de 50, a sensação é similar à de Dorian Gray vendo seu retrato no sótão antes do final do romance de Oscar Wilde. Você pode mentir imediatamente com um “Você está bem” ou usar um eufemismo “Você parece cansado” (leia-se… detonado). A primeira mentira é opaca e a segunda, translúcida: ambas devem ser lidas de forma direta sem o bordado retórico. Podemos mentir mais que Pinóquio: “Você não mudou nada!”. Ou, o mais cruel: “Como está conservado!”.

Sim, você sabe que envelheceu. Existem sintomas evidentes: você usa relógio de pulso, possui guarda-chuva, deita cedo, tem refluxo se bebe à noite ou come algo pesado depois das 18h, fica tenso com celular novo, chama ensino fundamental de ginásio e o médio de colegial, não consegue aprender a reforma ortográfica que retirou trema ou o acento de ideia, prefere livros em papel, apresenta dificuldades com figuras nas comunicações em redes sociais, conhece Elis Regina, porém não ouviu nada de Illy ou Mariana Mello, usa verbos como revelar (foto), compra CD, andou em praças pelas Diretas-Já (e imagina se valeu a pena), chora no Natal, escreve você em detrimento de vc, sabe alguns afluentes do Amazonas, adora atlas e consulta dicionários, conhece jingles da Varig ou das Casas Pernambucanas no inverno, polarizou entre Collor e Lula, lembra quando conheceu kiwi e mamão-papaia, ainda apresenta dificuldades com os palitinhos no sushi, acha o som muito alto (de novo o inglês: too loud, too old), relembra com saudades do primeiro Rock in Rio… Também há nítido envelhecimento se sua memória de coquetéis inclui Cuba-Libre, Hi Fi com Fanta, Grapette ou Martini Bianco. Você comeu coquetel de camarão, viu um abacaxi em festa tomado de palitinhos com queijo e presunto, cultivou samambaia de metro ou lembra de Chaparral? Por fim, o cabo Bojador de todo teste de idade: você sabe o que é uma pessoa “boko moko”? Bem, há uma chance enorme de você ter de usar óculos corretivos de presbiopia ao ler este texto se houve identidade com os enunciados anteriores.

Agatha Christie (também um indicativo de idade) deu um lindo argumento para todos nós que envelhecemos. Na sua Autobiografia, narra que a solução de um casamento feliz está em imitar o segundo casamento da autora: contrair núpcias com um arqueólogo (no caso, Max Mallowan), pois, quanto mais velha ela ficava, mais o marido se apaixonava. Talvez o mesmo indicativo para homens e mulheres estivesse na busca de geriatras, restauradores, historiadores, egiptólogos ou, no limite, tanatologistas.

Envelhecer é complexo, a opção é mais desafiadora. O célebre historiador israelense Yuval Harari prevê que a geração alpha (nascidos no século em curso) chegará, no mínimo, a 120 anos se obtiver cuidados básicos. O Brasil envelhece demograficamente e nós poderíamos ser chamados de vanguarda do novo processo. Dizem que Nelson Rodrigues aconselhava aos jovens que envelhecessem, como o melhor indicador do caminho a seguir. Não precisamos do conselho pois o tempo é ceifador inevitável.

Restam os consolos. Falamos em permanecer jovens no coração, que nossa cabeça é de 20 anos, que ainda fervilhamos de sonhos, que não trocaria minha maturidade pela pele lisa de outrora… Sim, podem ser verdadeiros, raramente são sinceros por inteiro. Juventude virou um valor, uma força política desde 1968, um modelo de mercado forte e um domínio de tecnologia inerente à abundância de colágeno.

No pouco conhecido poema de Bilac, Diálogo, o jovem afirma sua juventude e vigor e o ancião redargui com seu cansaço. Ao encerrar o diálogo, o terceto final enuncia “Herói e deus, serei a beleza!” “A beleza é a paz” “Serei a força!” “A força é o esquecimento…” “Serei a perfeição!” “A perfeição é a morte!”.

Como em toda peça teatral, o descer das cortinas pode ser a deixa para um aplauso caloroso ou um silêncio constrangedor, quando não vaia estrondosa. É sabedoria que o tempo ensina, ao retirar nossa certeza com o processo de aprendizado. Hoje começa mais um dia e mais uma etapa possível. Hoje é um dia diferente de todos. Você, tendo 16 ou 76, será mais velho amanhã e terá um dia a menos de vida. Hoje é o dia. Jovens, velhos e adjacentes: é preciso ter esperança.

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