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Somos acionistas da nossa sobrevivência

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A consciência de que estávamos abusando da natureza já vinha ocupando espaço há anos. Só que agora ganhou uma dimensão – com o perdão do trocadilho – amazônica.. Foto: Greta Thunberg, símbolo da luta pela preservação do meio-ambiente

Ingo Ostrovsky
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Estou longe de ser um especialista em meio-ambiente. Nas questões de economia me considero apenas um sujeito razoavelmente bem informado pela leitura diária de jornais. Sou, isso sim, um simples brasileiro assombrado com as duas novidades desta segunda década do século 21: a pandemia do novo coronavírus e a crise do clima.

Consigo entender que esses dois fenômenos estão ligados e afetam o nosso presente e – mais importante – o nosso futuro. A consciência de que estávamos abusando da natureza já vinha ocupando espaço há anos. Só que agora ganhou uma dimensão – com o perdão do trocadilho – amazônica. A pandemia segue fazendo estragos e dando sustos, mesmo com todas as vacinas e com tanta gente vacinada. Ninguém arrisca dizer que ela acabou ou está perto do fim. O número de mortos pela doença no mundo esta semana passou de 5 milhões. Como escreveu um observador, a humanidade ainda nem teve tempo de vivenciar esse imenso luto.

A impressão que eu tenho é que a COP 26 reunida em Glasgow, na Escócia, quer enquadrar a crise climática. Me lembra a história de um banqueiro carioca que abria as reuniões diárias de sua equipe com a pergunta: “como é que nós vamos ganhar dinheiro hoje”? A idéia de criar um mercado global de carbono, pelo qual os países que emitem muito podem “comprar” créditos dos países que tem carbono de sobra, obedece a um raciocínio capitalista. Como é que “vamos” ganhar dinheiro com o evidente aquecimento global? Nada contra.

A livre iniciativa já deu provas de que contribui para enriquecer quem gosta de crescimento econômico. Essa é a questão central do meu assombro: será que no quadro atual de doença, tanto do homem quanto da natureza, precisamos manter viva a ideia de crescimento econômico?

Nos primeiros meses da pandemia, ainda em 2020, uma coisa começou a ficar clara para mim: a velocidade com que as coisas vinham acontecendo não poderia ser mantida. O mundo vai ter que viver mais devagar, pensei. A rapidez poderia continuar e até aumentar nos modems e no 5G. Mas a vida como ela é teria que ser mais lenta.

Como se traduz isso em termos de crescimento econômico? Existe algum nível saudável de “não crescimento”?

Vejam bem, economistas: não estou falando de recessão, de crescimento negativo. Estou desconfiado que o impulso e o incentivo para continuar crescendo pode esconder a origem de nossos problemas com o clima. Controlar as emissões de carbono não deve ser fácil para uma classe empresarial acostumada e pressionada a dar lucro aos acionistas. Essa é a razão de ser da coisa toda. Então, como é que faz?

Temo que nossas premissas estejam equivocadas. A COP 26 está encarando os avisos da natureza como uma oportunidade de negócios e talvez não seja essa a maneira correta de se relacionar com o aquecimento e com a pandemia. Os laboratórios que pesquisaram vacinas estão faturando alto. Faz sentido. Olhando o mapa do mundo, entretanto, a realidade grita: onde há fome, não há imunizantes.

Será que dá para pensar em lucro numa época em que a simples previsão do tempo se tornou imprevisível? Os furacões estão mais fortes, as enchentes mais descontroladas, há vulcões adormecidos que resolveram acordar, nunca choveu tanto em outubro no Rio… Os sinais estão aí e nós estamos insistindo em calcular porcentagens de crescimento.

Somos os acionistas da nossa sobrevivência. Quero o meu em espécie!

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