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Um novo mundo não terá esses machos brutos que dirigem tudo

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Isabel Allende, 77, trabalha em uma obra de não-ficção sobre o feminismo. Intitulado, ‘O que queremos as mulheres’, o livro será lançado em novembro. Foto: Reprodução/Internet

A caminho dos 78 anos, que completará em agosto, a escritora chilena Isabel Allende mostra que está na flor da vida, no auge de sua capacidade criativa, cheia de energia, cheia de ideias sensatas que, se colocadas em prática, com certeza tornariam o mundo um lugar muito melhor de se viver.

Minhas considerações sobre essa escritora tão admirada, no momento, mergulhada em um novo livro, ficam mais claras depois que se lê essa ótima entrevista, publicada pelo Globo, na qual ela fala de sua visão do novo mundo que deve surgir com o fim da pandemia do novo coronavirus.

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A escritora chilena Isabel Allende diz que a pandemia expõe as desigualdades que seguirão provocando protestos nos Estados Unidos e no mundo. Para ela, cabe aos jovens trabalhar por uma nova normalidade em que homens e mulheres dividam o comando do planeta. A autora de “A casa dos espíritos”, que publicará em novembro uma não-ficção sobre o feminismo intitulada “O que queremos as mulheres”, é disciplinada e tem uma tradição famosa: todo 8 de janeiro começa a escrever um texto novo. Este ano não foi uma exceção, mas a pandemia representa um novo desafio.

Em vídeoconferência com a agência de notícias AFP, de sua casa em São Francisco, na Califórnia, Allende, de 77 anos, fala sobre seu processo de escrita, sua visão para o mundo pós-pandemia e sua interpretação para os protestos nos EUA.

Como a pandemia interrompeu a sua rotina?

A pandemia, o isolamento, o medo do vírus, os protestos que ocorrem nos deixam bloqueados. Não é fácil. Me atingem, mas também sou disciplinada. A metade do trabalho é sentar-se em frente ao computador a mesma hora. Veja, pode ser que não sirva para nada, mas isso não importa. É assim que se fazem livros. Aos poucos e com paciência.

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A pandemia está influenciando a sua obra?

Ela vai produzir uma onda, uma avalanche de nova interpretação da realidade. Não apenas na arte, mas na filosofia, na história, em tudo. Tudo será reinterpretado. Mas, no meu caso, eu preciso de tempo e de distância para ver as coisas. Poderia ter escrito “A casa dos espíritos” depois do golpe militar no Chile, em 1973, mas demorei mais de oito anos porque precisava de tempo para digerir o que havia acontecido, para poder ver com distância, com ironia. E acho que será assim com o que acontece agora.

Descobriu algo com o isolamento?

A pandemia tem me ensinado a soltar as coisas, a dar conta do pouco de que preciso. Não preciso comprar, não preciso de mais roupas, não necessito ir a nenhum lugar, viajar. Me parece que já tenho muito. Olho ao meu redor e me pergunto para que tudo isso. Por que preciso de mais de dois pratos? Depois, me dei conta de quem são os verdadeiros amigos e das pessoas com quem quero estar.

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O que acha que a pandemia ensinará a todos?

Ela nos está ensinando prioridades e nos mostrando a realidade. A realidade de desigualdade. De como há pessoas que passam a pandemia em um iate no Caribe, e outras que não têm o que comer. Também nos ensinou que somos uma única família.O que acontece com um ser humano em Wuhan, acontece com o planeta, acontece com todos. Não existe essa ideia tribal de que estamos separados do grupo e que podemos defender o grupo. Não há muros, não há paredes que possam nos separar. Os criadores, os artistas, os cientistas, todos os jovens, muitíssimas mulheres estão pleiteando uma nova realidade. Não querem voltar ao que era normal. Estão pleiteando o mundo que queremos,  e esta é a pergunta mais importante do momento. O sonho de um mundo diferente: é para onde temos que ir.

O que teria de diferente nesse mundo?

Um novo mundo precisa do fim do patriarcado, do fim desses machos brutos que dirigem tudo. Uma humanidade em que o comando do planeta é dividido igualmente entre homens e mulheres. A reação masculina em face de uma emergência, uma crise, uma ameaça, é fugir ou combater. A das mulheres é fechar um círculo, colocar as crianças no meio e ver como o grupo resolve a situação. As mulheres têm uma maneira democrática, inclusiva e circular de resolver problemas e enfrentar ameaças. Os homens não. Por isso, a direção do mundo tem que dar o mesmo peso aos valores masculinos e femininos. Que não seja a violência, mas a solidariedade, a compaixão, a ilusão. Esse é o mundo que queremos, um mundo em que haja respeito pela natureza e pelas outras espécies. Os jovens vão ter que salvar o planeta, se é que ele pode ser salvo. Que eles tragam uma solução positiva.

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Qual a sua opinião sobre os protestos nos EUA?

As manifestações no Chile começaram em outubro do ano passado. Eram contra uma desigualdade tremenda. Nos EUA, as manifestações são pela questão racial, mas isso está diretamente relacionado à pobreza. Quem são os mais pobres nos EUA? Quem são os que não têm seguro saúde, emprego, os que mais sofrem com a brutalidade policial, a maioria entre os encarcerados? Os afro-americanos. Acredito que essas manifestações vão brotar em toda parte. Agora virá uma crise econômica global, que vai produzir mais desemprego, mais pobreza e, portanto, mais violência. Vão haver protestos em massa. E eles não serão resolvidos com tiros, nem com gás lacrimogêneo. Eles serão resolvidos quando as causas forem resolvidas. Elas são profundas e vêm desde os tempos da escravização.

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