Adriana Abujamra
“Chega de Saudade” é um marco da bossa nova e também um trauma na vida de Bebel Gilberto: “É papai começar aquela coisa de ‘Vai minha tristeza/ E diz a ela (…)’ Ih, lá vem ele. Não gosto.” Bebel tinha 14 anos quando cantou a música em um programa de televisão em homenagem a João Gilberto. O clima nos ensaios era tenso. “Papai dizia: ‘Você não acertou a letra. Divide direito. Não é assim. Está tudo errado!’ Papai é supermeticuloso, você sabe, né?” Rita Lee, “uma querida”, foi até o camarim com flores antes da apresentação e assoprou ao seu ouvido: “Relaxa”.
Bom conselho, difícil segui-lo. A plateia estava apinhada. Até Paulinho, seu primeiro namorado “lindo, lindo, lindo” estava lá, além de todo um elenco de estrelas globais. A ideia de cantar para aquela turma toda a deixou ainda mais nervosa. O ícone da bossa nova, que já estava no palco, tocou os primeiros acordes. Era a sua deixa para entrar em cena.
Sob aplausos, a menina de franjinha e cabelo armado em um vestido longo de alcinha caminhou até o pai e se sentou aos seus pés. “Vai minha tristeza…” – a voz queria engasgar, mas aguentou firme até o trecho final. “Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim/ Não quero mais esse negócio…” Não queria mesmo. Levantou-se para agradecer os aplausos e escapulir o quanto antes. João Gilberto a puxou pelo braço, com força:
“Cante de novo, filhinha”, ordenou com voz doce e olhar severo. “Tive que me ajoelhar aos seus pés, fazer o quê? Cantei. E sabe que ficou melhor? Sou muito grata ao papai, eu não seria assim se não fosse ele.”
Aos 47 anos, a cantora está lançando o DVD “Bebel Gilberto in Rio”, gravação de um show feito no fim do ano. O repertório inclui canções antigas, como “Preciso Dizer Que Te Amo”, parceria com Cazuza e Dé Palmeira, a inédita “Na Palma da Mão”, do rapper Flávio Renegado, e “Samba de Amor”, de seu tio Chico Buarque, com a participação do próprio. E “Chega de Saudade”? Nem pensar, meus caros, sua música “trauma” ficou de fora. Leia mais em valor.com.br: