Déa Januzzi
Enquanto o Brasil pegava fogo do lado de fora, o maior incêndio acontecia no Centro de Cultura de Belo Horizonte, antigo Museu de Mineralogia à Rua da Bahia com Avenida Augusto de Lima. O prédio da década de 1900, em estilo neogótico, abre as portas para a Noite dos museus, com uma convidada que desperta o melhor em nós. Adélia Prado, aos 77 anos, embriaga a noite, entorpece os nossos sentidos, aquieta a nossa alma enquanto declama em voz alta: “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.”
Em nome desse sentimento, alguns privilegiados se reuniram para ouvir a poesia bordada a mão de Adélia Prado, que diz coisas assim: “Uma ocasião, meu pai pintou a casa toda de alaranjado brilhante. Por muito tempo moramos numa casa, como ele mesmo dizia, constantemente amanhecendo.”
Ela achou estranho que todos estivessem reunidos naquela noite para ouvir, falar e recitar poesia. Será por que? “Nas passeatas, todos estão querendo alguma coisa. Debaixo dessa busca há uma fome maior de significado, pois perdemos valores preciosos e não sabemos mais porque vivemos. Estamos vivendo uma ausência de valores, está tudo barateado. Existe também uma necessidade de ordem interna, espiritual. Debaixo dessa busca existe uma fome maior do espiritual. Hoje, os diálogos não convencem, só duram 15 minutos. Até a música sofre e anda carente. Está tudo sem cadência, sem ritmo. Estamos necessitados de uma revolução de ordem espiritual. Do religioso em cada um de nós. O homem é religioso por instinto. Em mim mesma não encontro resposta que me satisfaça. Temos que ir além para suportar a vida. A massa insatisfeita está pedindo uma revolução da ordem interior, espiritual, do religioso em cada um de nós.”
A poeta acha o caminho: “O que seria a angústia humana se não fosse a palavra escrita?” É por isso que as pessoas se reuniram naquela noite em torno da poesia, porque a arte é resposta afetiva e não mental. “A arte, seja por meio da poesia, da música, do cinema, é dirigida à nossa sensibilidade.” É por isso que todos estavam ali, aos pés de Adélia Prado, para matar a fome de significados, de valores preciosos como a sua poesia.
3 Comentários
Adélia é um prado florido. Belo texto ! Parabéns, Déa. Amo e admiro vocês duas.
Obrigada, Déa, por nos levar junto com você ao encontro da Adélia. Encontro da ordem do sagrado, que restaura sensibilidade e delicadeza. E nos fortalece na busca inquieta e infinita daquilo que faz sentido.
Maya, foi uma das melhores noites pra mim. O convite imperdível foi da minha amiga também preciosa Mary Arantes, que tem toda a coleção de poemas e livros da Adélia Prado.