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Vozes poderosas

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Elis e Nara. As duas se alfinetaram durante anos, mas acabaram se entendendo pouco antes da gaúcha Elis morrer Foto: Divulgação

Ingo Ostrovsky
50emais

Foi no mesmo dia, veja que coincidência! Quinta passada, 17 de março, foi aniversário de Elis Regina – faria 77 anos. Nesse mesmo dia foi lançado o livro Nara Leão – o Livro do Disco, de Hugo Sukman, pela editora Cobogó.

Elis morreu em 1982, com 36 anos. Nara, em 1989, com 47. Neste 2022 faria 80 anos.

A Cobogó tem como diretora Isabel Diegues, filha de Nara. O aniversário de 77 anos foi celebrado por João Marcelo Bôscoli, filho de Elis.

Duas vozes, poderosas de maneiras diferentes. Os biógrafos dizem que Elis foi (é) nossa maior cantora e Nara, a mais revolucionária.

João Marcelo mergulhou nas maravilhas tecnológicas deste século 21 e conseguiu remasterizar um dos discos mais famosos da mãe, Falso Brilhante, baseado num show que Elis apresentou por quase 3 anos em São Paulo. É coisa dos deuses. Os equipamentos a que ele teve acesso permitem separar todos os sons que foram produzidos num estúdio décadas atrás. Assim, temos a oportunidade de ouvir a voz de Elis a capela, longe de todos os instrumentos que a acompanhavam.

João Marcelo apresentou em seu programa de rádio uma pequena amostra desse tesouro: os versos finais de “Como Nossos Pais” de Belchior. Já ouvi essa interpretação dezenas de vezes. Mas nunca tinha ouvido só a voz dela, com a respiração e o choro que aqueles emocionantes versos provocaram nessa excepcional intérprete. Confesso que fiquei muito emocionado!

Nara Leão era diferente disso. Fez valer suas opiniões e se tornou uma voz importante num momento bem complicado da nossa vida como país. Foi na época em que os militares tomaram o poder e estabeleceram uma ditadura que cerceava as liberdades individuais. Nara foi das primeiras a cantar e gritar contra esse estado de coisas. Filha de uma família abastada do Rio de Janeiro, caiu de cabeça na verdadeira musica popular do Rio de Janeiro e trouxe para os holofotes nomes como Zé Keti e João do Vale, seus colegas de palco no histórico espetáculo Opinião. “Podem me bater, podem me prender, que eu não mudo de opinião…”

O livro de Sukman investiga o primeiro disco de Nara – o primeiro elepê – aquele que apresentou ao Brasil a semente do que se transformaria mais tarde na MPB, expressão que não existia na época e que hoje define a nossa maneira de cantar o mundo.

Nara interpreta, entre outras, musicas de Vinicius, Carlos Lyra, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Baden Powell, Cartola e com isso abre caminhos que até hoje são trilhados por quem tira sons do nosso jeito de ser e de ver o universo. Não são poucas as mulheres que veem em Nara também os primeiros sinais de um feminismo incipiente que se fazia presente na maneira de escolher repertório e encarar de frente o poder dos homens da indústria fonográfica.

Nara e Elis. Elis e Nara. As duas se alfinetaram durante anos, mas acabaram se entendendo pouco antes da gaúcha Elis morrer. E já que estamos nas coincidências, olha essa: Elis morreu em 19 de janeiro, dia do aniversário de Nara.

Veja as duas se apresentando, separadamente, no festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1967:

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