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Xuxa, Luiza e Zezé falam de envelhecimento, idadismo e racismo

A imagem da direita foi feita em 1996. A outra é de agora. Foto: Karine Basílio (2023) e Nana Moraes (1996)
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Para celebrar os 60 anos do suplemento dominical Ela, o jornal O Globo reuniu “três autênticas representantes da mulher brasileira”: a modelo e ativista Luiza Brunet, de 61 anos, a apresentadora Xuxa Meneghel, de 60, e a atriz e cantora Zezé Motta, de 79.

As três reeditaram o ensaio que fizeram em 1996 e deram entrevista, da qual selecionamos alguns trechos, onde falam de envelhecimento e etarismo, o preconceito de idade tão presente na vida da mulher que passa dos 50 anos.

Veja:

Como lidam com a passagem do tempo?

Luiza: A gente está vivendo muito mais. No passado, as mulheres maduras eram descartadas. Não tem como reverter o envelhecimento, mas o processo hoje é menos doloroso. Minha mãe de 86 anos namora, bebe champanhe, tem vida social e sexual. Nunca tive problema com a idade. Tenho consciência de que, à medida que o tempo passa, mais ganhos tenho.

Zezé Motta, 79, engajada na luta contra o racismo. Foto: Karine Basilio

Xuxa: Claro que gostaria de ter a cabeça que tenho hoje com o corpo de 20 anos, mas não posso, não tem como, né Zezé? Eu me aceito do jeito que sou e vivo bem com isso. Mas vejo que tem gente amargurada. E com a internet é possível ver a cara dessas pessoas. Algumas devem acordar e pensar: “O que posso fazer para destruir a fulana?”. É difícil lidar com a maldade.

Zezé: Estamos mais evoluídas. Há uma preocupação muito grande com a alimentação, com a prevenção de doenças, antigamente, não existiam essas atitudes.

De lá para cá, o que mudou em vocês?

Luiza: A Luiza de 1996 era casada, tinha filhos pequenos e consciência empreendedora, mas não reconhecia que havia passado por violações. Nos últimos anos, passei a minha história a limpo. Aos 12 anos, fui vítima de abuso sexual, trabalhando como doméstica em casa de família. Hoje, estou no melhor momento da minha vida.

Xuxa: O mundo era diferente, e nós também. A Sasha nasceu em 1998, aí a vida se transformou completamente… De lá para cá, muita coisa mudou. Se em um dia já pode mudar tudo, que dirá em quase três décadas. A mudança é um aprendizado. Eu sempre falei muito. Continuo falando, mas aprendi a ouvir. Isso é maturidade.

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Zezé: Estou mais segura hoje como atriz e cantora. Sinto que isso faz parte da maturidade. Antigamente, a mulher de 60 anos era considerada uma velhinha. A Xuxa está com 60 e continua superjovem, e eu farei 80 no ano que vem.

Como é o amor e o sexo na maturidade?

Luiza: O meu último relacionamento foi tão traumático (Luiza foi vítima de violência doméstica, em 2016, do então marido, o empresário Lírio Parisotto) que me dei férias, não assumi mais ninguém. De vez em quando, tenho meus casos. Mas sou livre, não tenho cobrança e não cobro. É importante toda mulher conhecer o próprio corpo e usufruir dele. E usar vibrador. Adoro tomar vinho e fazer sexo comigo mesma.

Xuxa: Essa coisa de falar sobre sexo choca as pessoas. Eu sou adepta dos toys, adoro e compro muito. Tenho amigos que, quando viajam, me avisam o que saiu de novo e eu digo para trazer. Gosto de um que suga e treme ao mesmo tempo. É maravilhoso. O Ju (o ator Junno Andrade, marido da Xuxa), quando a gente viaja, já fala: “Pegou os meus companheiros?” (risos). Ele é muito cabeça aberta, evoluído. Estamos juntos há 11 anos. Uso com ele e sozinha. Às vezes, acabamos de transar, e o Ju fala para eu pegar meu brinquedinho. Demorei um pouco para me conhecer, me descobri usando o chuveiro. Acho que todas as filhas deveriam dar vibradores para as mães.

Xuxa, 60, tem reclamado que certos fãs não aceitam seu envelhecimento. Foto: Karine Basilio

Zezé: Tenho um namorado de 64 anos. Ele é produtor e professor de teatro. Tinha medo de envelhecer sozinha e agradeço a Deus por estarmos unidos. Somos parceiros e o sexo é maravilhoso. Sempre fui muito namoradeira (risos). Sobre vibrador, quando usei, no passado, não funcionou comigo. Mas tudo pelo prazer! Tem um truque do chuveiro que é legal (risos).

Vocês se tornaram paladinas da luta contra a violência doméstica, o etarismo e o racismo. Como se sentem nesse lugar?

Luiza: Outro dia, participei de evento no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Neste semestre, discursei sobre violência doméstica em diversos países da Europa, como França, Inglaterra e Portugal. Nunca imaginei que estaria nesses lugares. As mulheres vítimas de violência doméstica me procuram, me ligam, me pedem orientação, me reconhecem. Muitas frisam que só estão vivas pelo que fiz por elas. Isso me motiva a continuar. Eu me sinto responsável.

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Xuxa: Não sou contra quem faz procedimentos estéticos. Mas, atualmente, nos cobram muito. Eu publico uma foto e escrevem: “Você tem tanto dinheiro. Por que não dá uma puxadinha?”. Quando ouço isso, acho que tenho algo a fazer. A gente tem de ser feliz do jeito que é, e ninguém tem o direito de nos cobrar. Não respondo a haters da internet para não pegar a energia, que não é boa. Mas, em algum momento, rebati dizendo que sou amada do jeito que sou, não só pelo cara que dorme comigo, como por algumas gerações e pelo meu público.

Zezé: Tenho até falado menos sobre racismo. Teve um momento em que todas as entrevistas que dava eram sobre o assunto. Isso começou a me incomodar. Mas, enquanto houver racismo, é preciso mesmo bater nessa tecla. Em 2023, divido essa brava luta com nomes como a Taís (Araujo) e o Lázaro (Ramos).

Outro tema que ganhou relevância foi o assédio. O que podem falar sobre isso?

Luiza: Na Dijon, por exemplo, vivia num cárcere privado, não via a cor do dinheiro. O Humberto Saade (fundador da marca) sabia que eu queria muito um apartamento. Então, ele me apresentou à corretora, fez o contrato e pagava diretamente a ela. O dinheiro não passava por mim. Na época, tinha 19 anos, entendia aquilo como uma generosidade. Saí machucada da empresa e fiquei dez anos sem falar com ele. Nos anos 1980, era muito comum o dono da marca ir ao estúdio fotográfico e convidar as modelos para saírem para jantar. Aquilo já me irritava, era um abuso horroroso. Vi muitas meninas aceitando o tal “convite”, que era uma forçação de barra desagradável. Tive que driblar o tempo todo esses assediadores, que eram muito ostensivos.

Xuxa: Em 1996, ainda estava trabalhando com a minha ex-diretora e empresária (Marlene Mattos). Sentia na pele o assédio moral e o abuso psicológico, mas não sabia o que era, por não ser um tema falado nem conhecido naquela época.

Zezé: Vivi uma das piores experiências da minha vida, logo depois da estreia do filme “Xica da Silva” (1976). Quase fui sequestrada por um motorista de táxi. Estava de minissaia, e ele tentou acariciar as minhas coxas. Dirigia furando os sinais, mas foi obrigado a parar em um, em Copacabana. Em pânico, saltei do carro e saí correndo.

Como vocês vivenciam hoje a maternidade?

Luiza: Vejo minha filha, Yasmin, brotando. Ela é muito exposta nas redes sociais, mas sabe se defender. É inteligente e atuante. Volta e meia, alguém escreve que “ela está pegando todo o mundo”. Aí eu pergunto: “Ué, mas não pode?”. Ela paga as contas dela. Moro sozinha. Então, quando Yasmin e Antônio me visitam, é maravilhoso. esse momento de ficar com os meus filhos.

Xuxa: Sou apaixonada pela minha filha. Outro dia, ela me contou que estava numa aula da Parson (Parsons The New School of Fashion), em Nova York, e apareceu uma foto minha dos anos 1980. Ela disse ter ficado orgulhosa. Nossa, aquilo mexeu comigo. Erros, obviamente, eu cometi, mas o fato de acordar e dizer que quero ser uma pessoa boa, para ela ter orgulho de mim, já é escolher o caminho correto.

Luiza Brunet, 61, foi agredida pelo proprio marido. Foto: Karine Basilio

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Zezé: Engravidei várias vezes, mas não consegui levar adiante. Fiz tratamento, mas, no meio disso, encontrei duas filhas adotivas. Tenho quatro filhos do coração, sobrinhos que me consideram mãe e três netos. Sou agregadora.

Como é a relação de vocês com o espelho?

Luiza: Eu me acho supersexy. Estou com 61 anos e me considero uma gostosa. Olho para o espelho e digo: “Você é maravilhosa”. Não tenho vergonha de reconhecer isso.

Xuxa: Eu não me acho sexy (apesar de ter sido incluída na lista das 100 mulheres mais sexys do mundo, em outubro deste ano), mas o Ju acha (risos). Tenho um pouco de trava, me olho e enxergo os defeitos, minha cobrança é grande. Aí eu tenho um cara do meu lado que passa por mim e fala: “Oh, gostosa”. Sou bastante crítica, é raro ver uma foto minha e falar: “Nossa, que legal”. Não me vejo como uma mulher bonita, nunca achei.

Zezé: Faço personal, e as minhas caminhadas na praia são sagradas. Minha preocupação é com os quilos a mais. Mas não sou, de jeito algum, refém da magreza.

Vinte e sete anos se passaram entre uma capa e outra. podem destacar uma evolução na sociedade que chama a atenção de vocês?

Luiza: Vemos mais mulheres falando sobre a violência que sofrem. Antes, tudo era varrido para baixo do tapete. A sororidade também é bem maior, assim como a informação.

Xuxa: Estamos olhando para as mulheres com mais carinho, seja ela baixinha, alta, gorda, negra, branca, indígena, magra, e isso é tão bom. A beleza está cada vez mais diversa.

Zezé: É possível ver negros mais presentes em comerciais, o que não acontecia antigamente, em propagandas de produtos de beleza. Isso é um avanço. Porém, seguimos com pouca representatividade em diversos setores. Há muita luta pela frente.

Leia o artigo original. Clique em O Globo.

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