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A mágica de transformar a vitória-régia em iguaria

Dulce aproveita tudo da vitória-régia, inclusive raízes e hastes, para criar receitas de quiches, pastéis, tira-gostos com molho de pimentas nativas. Com as flores produz geleias e com as sementes raladas um  brownie com sabor de chocolate. Além de pipocas. Foto: Reprodução/Instagram

Márcia Lage

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Pipoca de sementes de vitória-régia não é iguaria que se encontra fácil. É preciso pegar uma lancha em Alter do Chão, no Pará, e subir o rio Tapajós até encontrar o canal do Jari. Um estreito onde o Amazonas se infiltra no seu afluente, firmando um remanso de águas férteis que irrigam pequenas fazendas.

Pois é nessa solidão sem tamanho que conheci uma mulher incrível, de 52 anos, que dedica todo seu tempo a cultivar vitorias-régias e a criar pratos com suas folhas, caules, flores e sementes.

Os índios da região já haviam descoberto que as sementes viram pipoca, se aquecidas em panelas tampadas. Mas foi Dulce Oliveira, ex-cozinheira da Marinha, que inventou de explorar as propriedades comestíveis da planta, espécie da família das Ninphéias, que cresce exagerada nas águas quentes do Rio Amazonas.

A casa da “chef” é um deck suspenso sobre um lago formado pelo canal do Jari, de onde se pode apreciar, do alto das palafitas, a enormidade dessa que é considerada a maior flor do mundo.

Na verdade, a flor mesmo não é tão gigante. Tem o formato de uma flor de Lótus, com pétalas que nascem brancas, morrem cor de rosa e duram poucos dias. Nascem uma única vez na ponta da folha da vitória-régia, essa sim, um monumento aquático.

Dulce, a intrépida criadora de pratos deliciosos, posando com suas vitórias-régias. Foto: Reprodução/Instagram

Seu diâmetro pode alcançar dois metros e meio. Tem o formato de uma bandeja, com rebordos de 10cm, sobre estrutura tecida em hastes que se entrelaçam, dando resistência à composição.

São verdes por cima e marrom por baixo e suportam até 50 quilos, a depender do tamanho da folha. Pássaros e patos selvagens passeiam sobre elas, catando bichinhos e sementes.

Parecem embarcações flutuantes, mas não se deslocam. Estão firmemente presas ao fundo dos remansos por uma raiz principal, coberta de espinhos.

Dulce usa essas raízes e hastes para criar receitas de quiches, pastéis, tira-gostos com molho de pimentas nativas. Com as flores produz geleias e com as sementes raladas um  brownie com sabor de chocolate. Além das pipocas.

Até agora, ela já registrou 21 receitas produzidas com a planta. A visita ao canal do Jari inclui uma degustação dessas iguarias,  de sabor bem delicado, apresentadas com simplicidade e explicadas uma a uma pela mulher, que é de uma alegria ensolarada.

Veja Dulce em ação:

Para conhecer o jardim de vitórias-régias e provar as delícias que podem ser feitas com ela, é preciso ir longe.

Navegar na aparente impossibilidade de uma vida sobre águas, nos confins de uma floresta e se espantar com a coragem e o empreendedorismo dessa cinquentenária, que interage naquele ambiente como Naiá, a india que foi transformada na flor da vitória-régia, depois de se afogar no reflexo da lua, na busca de virar estrela.

Dulce não tem esse desejo. Perguntada se seria capaz de fazer um jantar exclusivo para algum famoso, todinho com a vitória-régia, pensou.  sorriu e respondeu: “Jantar chic? Pra gente rica? Melhor não. Eles que venham aqui”!

Feito o convite, quem quiser pode conhecer um pouco mais desse canto mágico da Amazônia e dessa valorosa cabocla neste perfil no Instagram: @dulce-jardimvitoriaregia

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