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A paranóia que pode vir com o envelhecer

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Márcia Lage

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Envelhecer é um tanto hipocondríaco. Apesar das impossibilidades de escapar da morte, ainda mais quando o tempo já não acha espaço para riscar o corpo, estamos sempre tentando camuflar o estrago. Com exercícios, cremes. vitaminas, colágeno, Zinco, ferro, magnésio. Sol em cápsulas. Bloqueador do natural.

Cada amigo que morre ou que adoece leva uma revoada de cabeças brancas aos médicos e às farmácias. Os sintomas de um são os sintomas de todos. As conversas começam sempre com a pergunta: Como vai sua saúde? Você está tomando isto ou aquilo? Tem feito ginástica? É como um grupo de mães trocando experiências sobre a alimentação, a educação e os cuidados com seus filhos pequenos.

O autoexame e a auto-observação chegam ao nível da paranoia. O corpo é um carro antigo que dá muita manutenção. Na lataria, no câmbio, no motor, na parte elétrica. Desalinha rápido. Não há peças de reposição no mercado. E não se pode trocar por um mais novo.

Outro dia um amigo achou que estava perdendo habilidades. Começou a ter dificuldades para andar de bicicleta. Tinha que repetir a arrancada uma ou duas vezes até pegar o prumo. O pé saia dos pedais. As curvas eram trêmulas. Não ganhava velocidade e as pernas doíam muito. Era como se um vento forte lhe dificultasse o deslocamento. Descia nas subidas e empurrava a máquina, sem marchas, numa dificuldade de criança quando os pais tiram as duas rodinhas traseiras da primeira bicicleta.

Ficou preocupadíssimo. Achou que talvez houvesse sofrido um minúsculo AVC, que lhe tomara parte do senso de equilíbrio. Ou, pior, um derrame nas pernas, que pegavam fogo depois de cada pedalada. Sim, possivelmente era isso. Já estava perdendo as forças. Ficou assim alguns dias, se observando e piorando, pois lhe veio também a tristeza de pensar que seu futuro era uma bengala. Um andador. Ou coisa pior.

Imaginou-se num carrinho motorizado desses que velhinhos usam para ir ao supermercado. Prometeu a si mesmo que compraria um, custasse o que custasse. Seria menos humilhante do que trocar a bike por uma cadeira de rodas.

Não era o fim que queria para a vida saudável e esportiva que levava. Mas fazer o que? Ia marcar um ortopedista e ver o que estava acontecendo. Ou o melhor seria uma consulta com o cardiologista? Um neurologista, talvez? A neurose só terminou quando numa manhã encontrou a bicicleta com os pneus arriados.

Caramba, era isso? Resolvido o problema, montou e arrancou, rápido e seguro como sempre. Mesmo assim quer consultar um neurologista. Como é que se esqueceu de calibrar os pneus?

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