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Déa Januzzi: mesmo que a idade avance, os desejos não envelhecem

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Há sexo na velhice sim, mas cada um sabe a dose, o segredo de despertar a libido, o toque certo, o sabor e o gosto da sedução

Déa Januzzi, 50emais

Não é mais fast-food. Nem self service. O sexo depois dos 60 anos exige requinte, mesa posta e, se preciso, velas para iluminar o crepúsculo que tinge o céu de vermelho e avisa que a noite está chegando.

Há sexo na velhice sim, mas cada um sabe a dose, o segredo de despertar a libido, o toque certo, o sabor e o gosto da sedução.
Sexo na velhice exige rituais próprios e ingredientes especiais, que cada um usa como melhor lhe agrada. A criatividade e o prazer de cada um merecem respeito, fogo baixo, temperos, ervas saborosas e frescas. É um pouco como cozinhar.

Há, por outro lado, aqueles que se sentem derrotados pela perda dos hormônios, apesar de especialistas negarem a relação entre sexo e funções biológicas. Mas, mesmo para estes, o desejo permanece, ainda que ardendo em fogo brando.

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Uma longa sedução
Só recentemente é que a professora e escritora Sandra, de 67 anos, passou a reconhecer que “uma relação sexual satisfatória não começa na cama, na hora do sexo, mas horas e até mesmo dias antes.” Desde 2009 quando se aposentou, Sandra tem passado a maior parte do ano em Seattle, nos Estados Unidos. O marido John tem 73 anos. Americano, e assim como ela, também professor e escritor.

“Nós nos conhecemos em 1976, quando ele foi meu professor no curso de mestrado, nos Estados Unidos. Perdemos contato depois disso, e só viemos a nos reencontrar em 2003. Redescobrimos o amor na maturidade, e isso mudou tudo nas nossas vidas para melhor. Como se não bastasse ser fã incondicional dos meus textos literários, ele também jura de pés juntos que adora tudo que eu faço na cozinha. Todos os dias ele diz que eu sou a mulher mais linda do mundo. E age como se eu fosse mesmo a mulher mais linda do mundo! Cá entre nós, me diga: existe alguma plástica, creme rejuvenescedor ou afrodisíaco que sejam mais eficientes do que isso?”

Também para a publicitária Sara Caldeira, de 62 anos, o desejo arde bem antes. Começa na cozinha da casa dela, no Bairro Santo Antônio, em Belo Horizonte, onde vive momentos únicos com o companheiro, de 54 anos. Ambos são formados em gastronomia pela Faculdade Estácio de Sá em Belo Horizonte e gostam de estar juntos.

Lá, o casal tem tudo o que precisa, até facas de porcelana, temperos a mão, principalmente para fazer o prato que ela mais gosta: risoto com cogumelos.

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Nas preliminares tem também o toque da mão na outra mão enquanto os ingredientes são cortados. A alquimia da cozinha aquece o fogo do sexo que virá bem mais tarde.

Sara não dispensa uma lingerie sensual, uma calcinha de renda vermelha, mas o mais importante é que ela se cuida para continuar fazendo sexo com prazer e alegria. É amante das caminhadas, cuida da alimentação e deixou de fumar há tempos.

A publicitária garante que a idade é a libertação do corpo. “Perdi o pudor de me expor. Não tem mais essa de celulite, de peitos caídos, detalhes que não me preocupam mais. As imperfeições não pesam mais da mesma forma de quando você tinha 30 anos, pois sexo para mim é vida e eu adoro.”

A história de Márcio e Vanda
Nas caminhadas diárias no parque, Sandra sempre vê um casal idoso que, na mesma hora que ela, se exercita todas as manhãs. Lado a lado, sempre conversam muito animados, enquanto caminham em ritmo rápido. Curiosa, ela se aproximou para ouvir o que diziam. A mulher falava da noite anterior que, para ela, tinha sido muito especial. “Por que você diz isso?”, perguntou o homem, com um tom de surpresa.

“Quando fazemos amor, você sempre me faz sentir como se eu fosse a mais linda das mulheres. Mas ontem à noite, enquanto você esperava que eu ‘esquentasse os motores’, entendi de que é feita a ‘fagulha’. Melhor do que qualquer carícia que você faz no meu corpo, é a certeza de que sou amada e desejada tal como sou.”

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O homem diminuiu o passo, trazendo-a para perto de si. Ficaram uns minutos abraçados. Sandra evitou passar por eles, e fingiu estar distraída com alguma coisa no chão, pois não queria perder nem uma palavra do que diziam. Retomaram o passo, “e lá fui eu atrás deles, anotando mentalmente o que diziam”.

“Além disso”, ela continuou, “só agora, depois de velha, é que entendo que uma relação sexual satisfatória não começa na cama, na hora do sexo, mas horas e até mesmo dias antes.”

Intrigado, ele perguntou: “Como assim, antes?”
“Sim, começa quando você, de manhã, afasta uma mecha de cabelo da minha testa para ver melhor o meu rosto e então diz orgulhoso: ‘Ganhei a melhor de todas’. Começa quando você me traz uma xícara de chá quando estou apressada em cumprir o prazo para a entrega de um texto. Começa quando você aprecia sinceramente o que cozinhei para o jantar, apesar de ter sido uma simples macarronada, e ainda me agradece porque larguei o que estava fazendo para passar meia hora na cozinha. Começa quando você não se envergonha de chorar comigo quando ouvimos uma música que me lembra alguém querido que perdi. Começa quando você se deita ao meu lado, na cama, e segura a minha mão sem exigir nada. O que me leva ao que eu disse, agora há pouco. Você me faz sentir amada e desejada apenas pelo que sou”.

Imersa no que estava ouvindo, a professora quase tropeçou neles. Pediu desculpas, se apresentou, e lhes contou que estava escrevendo um depoimento pessoal sobre a sua experiência com a sexualidade na velhice. O depoimento seria incluído em um artigo a ser publicado em uma revista. ”Como o que eu tinha escutado na conversa deles era muito parecido com a minha própria experiência com o meu marido, pedi permissão para inserir parte do diálogo deles no meu depoimento. Ambos concordaram. E ainda disseram: “Se quiser, pode dizer quem somos e também a nossa idade: Márcio, 71 anos, e Vanda, 65 anos. Estamos casados há 20 anos.”

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Moral da história, segundo Sandra: “É preciso lembrar sempre de uma premissa de Freud, feita há mais de um século. Ao contrário do que se pensa, a sexualidade humana não é biologicamente determinada. Isto porque a variedade e a singularidade dos padrões que buscam o prazer e, também, as nossas escolhas e fantasias sexuais, mostram que, entre o impulso sexual e aquilo que o satisfaz, existe um campo de significações, padrões e preferências que cada indivíduo constrói a partir da própria história. Se a sexualidade humana fosse determinada apenas pela biologia, ela estaria restrita aos propósitos da reprodução e se encerraria junto com o fim da fertilidade. Depoimentos como o de Arthur e Sandra, cujas palavras faço minhas, contrariam a idéia de que a velhice é o fim da vida sexual”.

As cores e sabores da sexualidade
MarisaSanabria, de 63 anos, é mestre em filosofia, psicóloga clínica, de questões de gênero e escritora. Tem DVD sobre a menopausa, livro “A Segunda Vida das Mulheres” com o fim da procriação, e está casada há 34 anos com o mesmo homem. Tem uma filha, dois netos e quer ter a liberdade e a consciência de escolher como vai viver a sexualidade com o seu parceiro de tanto tempo. “Beber um espumante e comer uma boa comida pode ser de um erotismo encantador, dormir abraçado me dá segurança de exercer a genitalidade sempre que possível. A sexualidade também passa pelo respeito mútuo, pela construção de projetos, pela harmonia no cotidiano, enfim, ela é muito mais desafiante e alternativa que apenas colocar para funcionar aquilo que temos entre as pernas.”

Baseada em sua experiência clínica, Marisa garante que a maturidade, em muitos casos, liberta as mulheres do medo. “Neste momento, muitas querem trilhar novos caminhos e se arriscar até em dizer ‘não quero’. Colocar uma marca ou um limite no desempenho sexual também é uma escolha. Aos 60/70 anos ninguém está obrigado a ter um desempenho de jovem. O entendimento de limites e fronteiras apazigua e liberta de compromissos criados a partir de medidas e conceitos que não são nossos.”

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Nas oficinas e cursos que ministra, ela ouve depoimentos de mulheres que definem a sexualidade como “espalhada nas cores, nos sabores, em beber um vinho em boa companhia, fazer um passeio, no aconchego de ficar abraçada com o parceiro. Enfim, a maturidade liberta, principalmente do desempenho funcional. Cada uma vai exercer a sexualidade de acordo com a sua história, seu momento de vida e suas escolhas. Tenho uma paciente de 78 anos que sente falta de sexo até hoje, e outra de 65 que se libertou de compromissos sexuais e parcerias. Ela hoje prefere viajar e curtir os netos”.

Picolé de chuchu
A jornalista aposentada, Márcia Lage, de 62 anos, faz parte de uma geração que mudou comportamentos, que tornou a sexualidade mais livre e prazerosa, que inventou diferentes arranjos amorosos e até pouco tempo se definia como “fogosa”. Márcia não quis casar nem ter filhos, apesar de vários parceiros. Hoje mora em Parati(RJ). Está aprendendo a surfar, faz cursos e oficinas de literatura, de colagem, tem muitos amigos, mas garante. “A maior mentira que contam para os adultos é que a vida sexual não acaba nunca. O desejo está na cabeça de cada um e, bem resolvido, o gozo é eterno, juram os psicólogos e psiquiatras. É por isso que todo mundo pira quando os hormônios vão à falência.”

Ela não sabe dizer quando a libido diminuiu: “Se na menopausa, quando a testosterona diz adeus de um dia para o outro, ou se na pós-menopausa, quando assumimos aquele ar de dona e ficamos invisíveis para sempre. Há um estertor da libido após a luta insana contra todas as pragas da menopausa, entre elas, calores noturnos, insônia, variação do humor, ressecamento da vagina, associadas à impaciência, diria até intolerância, que pode ser socialmente fatal. Da mesma forma que o tesão sumiu, ele reaparece, trazendo a ilusão de um amor tardio, uma nova lua de mel, até um filhinho de incubadora, quem sabe. Porque os hormônios são como o diabo, sempre se camuflam em paixões.”

Márcia conta que todos os seus antigos namorados, amantes, ex-maridos e até mesmo maridos estão passando por uma crise parecida. E o pau não sobe nem a pau. Pra não passar vergonha, os homens vão procurar as menininhas – quanto mais inocentes, melhores – e as mulheres transferem seus desejos para gatos, cachorros, filhos, netos, cursos de arte, dança, ioga, qualquer coisa que canalize a energia criativa do sexo perdido.

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“Os casais que conseguem ultrapassar a barreira das bodas de prata e têm assunto para o resto da vida, viram amiguinhos, companheiros de jornada. Sem sexo, podem acreditar. Ou com um sexo muito eventual, insosso feito picolé de chuchu, conquistado à força de viagra e de lubrificantes”, decreta Márcia Lage.

À espera do momento certo
O casamento do jornalista Ricardo Camargos terminou quando ele chegava aos 60 anos. “E veio junto com um monte de outros problemas como o desemprego, a expectativa de uma aposentadoria próxima, sem falar naquela tétrica impressão de que “o mundo acabou”, pelo menos aquele que você tinha sonhado, que sua família já era e por aí a fora. Enfim, um verdadeiro tsunami. Tive que me dobrar a um processo de análise que, confesso, foi essencial para colocar as ideias no lugar”.

A partir daí, ele cumpriu uma espécie de ritual. Primeiro, a fase que ele chama de urso: “Você se tranca em casa, come, lê, escreve e depois vai dormir, que é o melhor momento da vida neste estágio. Fui me abrindo aos poucos, mas curiosamente não veio a conhecida segunda fase, a do “lobo na estepe”. Já não me encanta mais o ato da caça. O que não quer dizer que o prazer estético pela beleza feminina e, consequentemente, o ato sexual tenham se apagado. Nada melhor do que sentar em uma mesa de bar e se encantar com a paisagem de tantas mulheres bonitas na passarela”.

Agora, Ricardo está vivendo um novo momento: “Reencontrei velha amigas, com as quais poderia iniciar um novo percurso sexual. Até porque, os entendidos no assunto que leio esparsamente nos jornais, afirmam que o sexo é muito bom para a cabeça e o corpo do pessoal da minha idade”. Alguns amigos dele contam inclusive que estão indo muito bem na vida amorosa e falam sobre o ato sexual como mais tranquilo e relaxante. “Quanto a mim, tenho certeza que vai pintar na hora certa e que vai ser muito bom.”

Texto publicado originalmente no número zero da revista Oscar

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