Ícone do site 50emais

Entre Mulheres, filme sobre violência, abuso e força feminina

Cena de Entre Mulheres, que está concorrendo ao Oscar 2023 de Melhor Filme. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
50emais

Perdoar, fugir ou lutar? Essas três opções permeiam as profundas discussões das mulheres de uma comunidade menonista (um tipo de religião que prega a fé acima de tudo, a exclusão mundana e o desprezo pelas tecnologias) no filme “Entre Mulheres”, em cartaz nas boas salas de cinema do país.

Os homens da colônia agrícola estão presos, após terem sido denunciados por estupro e todo tipo de violência contra pessoas do gênero feminino, inclusive crianças. Da cadeia, pedem para serem perdoados e voltarem, enquanto as mulheres violadas começam a pensar pela primeira vez sobre os abusos e suas consequências.

O diálogo se passa no celeiro da colônia. É um novelo de lã embaraçado, que se vai desenrolando à medida que as reflexões avançam, entre acusações mútuas, abraços e acolhimento, fé cega e o desgosto de admitir que as mais velhas permitiram que seus filhos se tornassem o que eram, por falta de escolha, por medo, por ignorância.

Para manter as mulheres submissas, a educação na colônia era só para os meninos. Só os homens sabiam onde estavam. Elas não conheciam nada além de suas plantações, suas casas sem energia elétrica, seus ritos religiosos e a crença de que eram estupradas por demônios, que apareciam a cada deslize mínimo. Até o dia em que uma delas reconheceu o “demônio”. E o denunciou.

Então, a questão era: O que fazer com os homens? Como ir embora e deixar para trás os filhos maiores de 12 anos, já diplomados na escola de violência e abuso? Era possível perdoar tanta maldade? Uma delas diz que, se ficar, será assassina. Matará qualquer um que se aproximar dela e da filha pequena, e detalha os pormenores do seu desejo de vingança.

Outra, grávida de um abusador desconhecido, reflete sobre a maternidade e o amor e propõe que fiquem, mas com três condições: As mulheres não serão impedidas de estudar nem de pensar. Farão uma revisão da religião e a tornará mais oróxima dos ensinamentos de Cristo, ou seja, da solidariedade, respeito, justiça e não-violência. E os homens terâo que ser gentis e colaboradores.

Uma anciã responde: “Se nunca pedimos a eles nem um copo d’água, vamos pedir agora que nos amem e respeitem?” Risadas e choros vão amadurecendo os caminhos do debate, profundo, exaustivo, didático.

Há um homem no celeiro. O professor dos meninos, que fora banido da aldeia junto com a mãe, uma questionadora das regras machistas. Fez faculdade e voltou, bicho perdido entre a ignorância dos homens e o apartheid das mulheres. Estava ali para fazer as atas das reuniões e deixar registrado o momento da libertação daquelas almas. Para a reflexão dos homens que sabiam ler.

Vai ouvindo e aprendendo. Chora muitas vezes. Até que ajuda as mulheres a se decidirem. “Sumam daqui. Não voltem nunca mais. Levem todas as meninas e os meninos abaixo de 12. Eu prometo educar os demais com outros conceitos”. A câmera mostra na parede as atas penduradas, os desenhos, o conflito das mulheres entre sair e ficar. E a impossibilidade de compor com homens tão cretinos.

A diretora do filme, Sarah Polley, esmiúça nos diálogos uma pergunta que sempre nos fazemos quando vimos uma mulher ser morta ou violentada: Por quê? Como não perceberam? Como não fugiram? Como não denunciaram?

A solução que apresenta é que é preciso criar novos homens e colocá-los a redigir atas no celeiro das discussões femininas. Se um aprender e mudar, pode dar aulas aos demais. Sozinhas, as mulheres se protegem. Mas não transformam a realidade absurda de homens que ainda se comportam como no século XVI.

Leia também de Márcia Lage:

Cidades sem planejamento. Até quando?

Sem amigos, a vida não vale um dente

Ainda sobre Glória Maria…

Vivemos em plena cultura do roubo

Estes tempos sombrios em que vivemos

Marte Um, você não pode deixar de ver

Não vou me deixar acuar por que sou velha

A tecnologia está nos levando para longe de nós mesmos

A paranóia que pode vir com o envelhecer

O diálogo divertido sobre sexo entre a tia sexagenária e a jovem sobrinha

Repito, pacientemente, tudo o que ela fez por mim quando era minha mãe

Sair da versão mobile