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Gente que sangra

A crônica é a propósito do texto da filósofa e escritora Djamila Ribeiro publicado pela Folha de São Paulo, no início de dezembro, intitulado: “Nós, mulheres, não somos apenas ‘pessoas que menstruam.’ Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
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Está na moda dar nome a tudo que distingue uma pessoa de outra, uma mania de outra, um desejo de outro. No campo da sexualidade então, já não há letras no nosso alfabeto nem prefixos gregos que dêem conta de classificar, distinguir e empoderar quem prefere isso ou aquilo no interior de seu interior.

Dá preguiça ter que decorar cada um desses termos politicamente corretos, pesquisar a quem eles se referem e tomar cuidado ao falar ou escrever sobre eles, para não ferir suscetibilidades nem ser acusado de preconceito e fobia.

Recentemente a escritora Djamila Ribeiro, feminista e ativista negra, passou a.ser apedrejada por discordar de uma expressão nada agradável para incluir homens trans no balaio das causas feministas: pessoas que menstruam.

Djamila disse apenas que a expressão é excludente, uma vez que nem toda mulher menstrua. As maiores de 50 já estão quase todas livres desse fardo que – vamos ser sinceras – não é fenômeno que mereça aplausos.

A menstruação é coisa desconfortável, , malcheirosa, dolorosa. Melhor seria se não ocorresse a cada 28 dias ( uma vez por ano seria perfeito) mas, se não ocorre, é ainda pior. Significa que ficamos grávidas ou que fomos atropeladas pela menopausa (outra praga feminina).

Quando começou o movimento do útero sagrado, culto à menstruação e copinhos para colher o sangue no interior da vagina, em substituição aos absorventes e tampões, pensei comigo: Vem retrocesso aí! Vem manipulação do patriarcado para reverter as conquistas das mulheres no campo da fecundação e convencê-las de que menstruar, engravidar, parir, amamentar e criar é privilégio divino.

O maior medo dos machos é perder espaço de poder. A ameaça de sistemas matriarcais apavora os que comandam. Homens são contra o aborto por que? Não são eles que vão levar adiante uma gravidez de nove meses, correr risco de morrer no parto, no caso das meninas, e ainda se verem obrigados a amar filhotes indesejados. É fácil esbravejar contra o que não é da sua responsabilidade, não é mesmo?

Não há nada de religião ou ética nesse jogo.de subjugar para mandar. Se fosse pelo direito à vida, eles não negariam paternidade e cuidados aos seus rebentos; por certo condenariam estupradores a criar os filhos de seus abusos, desde a hora que nascessem até a maturidade.

Fazem isso? Claro que não. E quando as mulheres ganham autonomia e direitos, retornam ao antigamente: Meninas de rosa, meninos de azul, maternidade como benção e menstruação como promessa de fertilidade.

Até os trans e toda a comunidade LGBT+ estão caindo nessa conversa fiada. Todo mundo quer casar de véu e grinalda e procriar. É um direito? Certamente. Mas é um desejo universal ou estamos sendo manipulados?

Sobre a polêmica da denominação “pessoas que menstruam”, sugiro mudar para “gente que sangra”.

Atende a todos os gêneros (e mudanças de gêneros), a negros, brancos, pardos e amarelos. A indígenas, quilombolas, crianças, jovens e velhos. Atende aos ricos e aos pobres, a todas as raças e etnias.

Somos todos gente que sangra. Viver é sangrar. Uns sangram mais. Outros sangram menos. Brasileiro sangra demais.

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