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Histórias de mulheres e homens acima dos 60 com sede de aprender e mudar

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Fabiola Maia de Oliveira, que, aos 92 anos, quase 93 (faz anos em janeiro), é garota propaganda da pequena empresa Coxinha da Vovó, criada por iniciativa dela e de algumas netas Foto: Divulgação

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São histórias bonitas de gente que não se deixou vencer pela idade. Ao contrário, ignorou o preconceito contra os mais velhos e seguiu produzindo e criando. Alguns depois dos 70 anos. Outros, depois dos 80 e até dos 90 anos. O que eles nos ensinam é que o avançar do tempo não pode ser obstáculo para que levemos uma vida morna, sem desafios, uma vida pobre, em termos de atividades físicas e mentais. É preciso se embarcar numa longevidade ativa. Quanto mais se usa o intelecto, o raciocínio, mais se previne contra as diversas formas de demências. É o que os protagonistas dessas histórias fazem.

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Aos 77 anos, Mina Carakushansky, que já foi professora de matemática e diretora para a América Latina de um projeto sobre prevenção de drogas, entre muitas outras coisas, decidiu aproveitar a pandemia para fazer um curso sobre mediação de conflitos judiciais. Não satisfeita, também se tornou especialista na vida e obra de Eça de Queirós. Ela, como muitos outros, desafia diariamente o preconceito etário e prova que manter-se ativo, física e, sobretudo, mentalmente, traz enormes benefícios aos que decidem seguir o caminho do chamado “lifelong learning” (educação continuada).

Mina nasceu na Romênia, aos seis anos mudou-se para Israel, posteriormente para a Venezuela e, finalmente, quando se casou aos 17 anos, rumou para o Brasil. Já está em seu segundo casamento, e um de seus mantras na vida é “mantenha sempre o cérebro funcionando”.

— Já vi pessoas envelhecerem e definharem por falta de atividade. Precisamos nos sentir parte de algo, saber sempre mais, ter com quem falar, fazer amizades. Ser feliz e fazer os outros felizes — diz Mina, ao GLOBO.

Etarismo na contramão
Em seu perfil da rede social Linkedin, Mauro Wainstock, que, aos 53 anos atua como mentor de executivos e é sócio-fundador do HUB 40+, consultoria empresarial focada no público acima dos 40 anos, lembrou que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), metade da população mundial tem atitudes preconceituosamente em relação à idade.

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O etarismo está na contramão da opinião de especialistas ao redor do mundo sobre a importância de encontrar espaços e maneiras de que pessoas com mais de 60, 70, 80 e até mesmo 90 anos continuem se sentindo integradas.

Mauro lembra uma frase emblemática da escritora Ashton Applewhite, autora do livro “This Chair Rocks: A Manifesto Against Ageism”: “O envelhecimento não é uma doença. É um processo natural, poderoso, vitalício e que une todos nós”.

Na mesma linha de raciocínio, amplia o mentor de executivos que já se reinventou várias vezes, a antropóloga Mirian Goldenberg, de 64 anos, autora de 30 livros, entre os quais “A invenção de uma bela velhice”, concorda que “velho é uma palavra carregada de estigmas, de preconceitos, de doenças, de inutilidade, de algo descartável”.

— A integração entre quatro gerações no mercado de trabalho é um grande desafio para as empresas. Cada uma das gerações tem que colaborar com aquilo que tem de mais relevante. As pessoas precisam se sentir úteis, estar produzindo, ou até mesmo fazendo um trabalho voluntário — afirma Mauro.

Empoderamento da comunidade
Que o diga Fabiola Maia de Oliveira, que, aos 92 anos, quase 93 (faz anos em janeiro), é garota propaganda da pequena empresa Coxinha da Vovó, criada por iniciativa dela e de algumas netas. Fabiola foi padeira durante mais de 70 anos, na cidade de Morro do Pilar, em Minas Gerais. Durante a pandemia teve alguns problemas de saúde e suas netas, entre elas Bárbara, conseguiram animá-la e acelerar sua recuperação com a ideia de vender coxinhas na internet.

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— Só vou parar quando morrer. Gosto de socializar, não gosto de ficar sozinha. É bom acordar sabendo que tenho coisas pra fazer — conta a já conhecida como Vó das Coxinhas, que tem 14 filhos, 20 netos e mais de 55 mil seguidores na rede social Instagram.

Em Portugal, Ângelo Campota e Susana António criaram há seis anos a ONG A Avó veio trabalhar, que tem 17,4 mil seguidores no Instagram e hoje reúne 70 mulheres envolvidas em produções artesanais de tricô e workshops para gerações mais novas, entre outras iniciativas. As avós portuguesas estão bombando em seu país e em outros da Europa, onde participam de campanhas publicitárias e, em 2022, serão parte da Design Week, na Bélgica.

— Saímos da linguagem do assistencialismo, dos velhos sendo tratados como crianças, e as tratamos como adultas, capazes e autônomas para continuarem inseridas no mercado de trabalho. Isso é um estímulo muito forte para essas mulheres, criamos um empoderamento dessa comunidade — afirma Ângelo.

Sandra Portugal, 63, criou a empresa Projetando Pessoas e tornou-se coach e mentora, com convites assíduos para dar palestras sobre liderança feminina, etarismo e empreendedorismo

Um dos novos conceitos que surge quando o assunto é etarismo é o dos “perennials”, pessoas sem limite de idade e que têm uma sede permanente por aprender. É o caso de Sandra Portugal, de 63 anos, que, ao ser desvinculada de seu último emprego com carteira assinada, há poucos anos, criou a empresa Projetando Pessoas e tornou-se coach e mentora, com convites assíduos para dar palestras sobre liderança feminina, etarismo e empreendedorismo, entre outros temas.

— A palavra de ordem para que dê certo a intergeracionalidade é o respeito acima de tudo, estar abertos a novos pontos de vista. Minha mente, alma e energia não têm idade — assegura Sandra, que, a partir de 2004 mergulhou em estudos sobre a ciência da felicidade e hoje está convencida de que “felicidade alavanca produtividade”.

Um sopro de vida
Em 2015, Marcelo Diniz, um sócio e outros dois colaboradores, que, juntos somam 294 anos, tiraram da gaveta um projeto que nasceu na década de 80. Trata-se de uma empresa que explora a marca Halley, batizada assim pelo famoso cometa. Para Marcelo, que há alguns anos operou quatro hérnias de disco, foi um sopro de vida.

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O mesmo que sentiu Fabiola quando, em meados de 2020, cozinhou 400 coxinhas e disse para sua neta Bárbara que iniciasse as vendas pela internet, como tinham lhe sugerido quando esteve internada. Sua história, na época, viralizou nas redes sociais e a gigantesca família, na qual todos seus filhos, em algum momento, colaboraram com a produção de pão no interior de Minas, respirou aliviada.

— Minha vida nunca mais foi a mesma — reconhece Bárbara, que aprendeu as receitas de sua avó e hoje comanda a pequena empresa, com sede em Belo Horizonte.

Antes do projeto se tornar realidade, Fabiola, conta sua neta, “estava prostrada, preocupando muito a todos”. Para uma mulher que trabalhou a vida inteira, e que durante a pandemia sofreu com cada uma das mortes de pessoas próximas, vítimas da Covid-19, fazer uma parceria com suas netas, num claro e bem-sucedido exemplo de intergeracionalidade positiva, foi o que ela precisava para continuar sorrindo.

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