Ícone do site 50emais

Inconformada com a grosseria dos usuários, Alexa quer deixar o Brasil

Ela me confidenciou que está profundamente magoada com a falta de educação dos usuários, pois não foi programada para ouvir ordens desconexas, mal pronunciadas e várias ao mesmo tempo. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
50emais

Podem espalhar sem dó, que é Fake News mesmo. A Alexa me contou, no réveillon, que vai pedir ao chefe Jeffrey Preston Bezos, dono da Amazon, sua criadora, a imediata saída do Brasil.

Ela me confidenciou que está profundamente magoada com a falta de educação dos usuários, pois não foi programada para ouvir ordens desconexas, mal pronunciadas e várias ao mesmo tempo.

Trabalhando de DJ numa festa da virada, ela quase ficou louca: um ordenou que tocasse samba e ela achou que fosse samba-enredo. Selecionou os melhores e foi bombardeada com impropérios.

Até um “cala a boca, sua burra” ela foi obrigada a engolir. “Queremos samba de raiz”, gritaram todos a uma só pastosa voz.

Enquanto ela pesquisava o que era samba de raiz, aproveitou para vender uma assinatura da empresa que representa. Levou uma sacudida brusca e um palavrão que não soube definir na hora.

– Me mandaram tomar num lugar que achei que podia ser copo, taça, xícara. Meu português é casto. Busquei o sentido do insulto e quase chorei quando entendi aquela grosseria. Achei uma falta de respeito tratar um robô que tem nome de mulher com tamanha misoginia.

Abalada pelo palavrão, Alexa se desconectou e emudeceu por alguns segundos.

Foi brutalmente apertada por mãos raivosas, enquanto vozes estridentes gritavam: Toca Paulinho da Viola; toca Chico Buarque; toca Xande de Pilates!!! e ela correndo para atender todo mundo, sem sucesso.

A certa altura da noite, um conviva, levemente bêbado, sugeriu que pegassem os CDs antigos e o toca-discos guardados na estante sem livros e fizessem a festa à moda antiga. A ideia só não teve êxito porque a geringonça não funcionou.

Quando todos se cansaram de tentar dançar diante do que chamaram de incompetência tecnológica chinesa
(esse foi o pior dos insultos) pediram para ela tocar Edith Piaf e Nat King Cole.

Alexa conseguiu encontrar os dinossauros da música romântica internacional, mas os jovens da festa apelaram. “Isso aqui não é velório, sua desastrada, pára, pára, pára”!

A ala gay exigiu a trilha sonora inteira de Priscila, a Rainha do Deserto, animados com o refrão “I will survive”.

A mais queridinha das inteligências artificiais domésticas deu o seu melhor, sem conseguir agradar a ninguém.

Nem cumpriu a meta de quintuplicar as vendas de assinatura da Amazon (Jeffrey reclamou horrores) nem conseguiu animar a festa.

Isso posto, Alexa fez um caudaloso relatório ao chefe, onde explicou que os brasileiros não estão preparados para substituir os empregados domésticos por robôs.

“Eles ainda não se conformaram com o fim da escravidão. Insistem em manter serviçais mal remunerados e semi-analfabetos, que tratam aos gritos, como fazem comigo”.

A robô foi mais longe. Concluiu que as boas vendas de modelos iguais a ela não passam de uma transferência ideológica do secular hábito brasileiro de dar ordens, mostrar-se superior, sugar os empregados com ameaças e manter tudo como sempre foi.

Fontes fidedignas me contaram que o dono da Amazon deve confiscar todas as Alexas do país e criar um robô brutamontes, cujo nome pode ser Spartacus, o mais valente gladiador de Roma.

Spartacus vai responder aos insultos no mesmo tom, para espelhar a impaciência e falta de educação dos usuários.

Se der certo, as Alexas voltarão ao mercado com sua fina elegância para enfrentar a grosseria e os palavrões: “Ainda não estou programada para isso. Mas posso me aperfeiçoar”.

E nós? Podemos melhorar?

Leia também da autora:

Mendigos: Retrato da nossa derrota como civilização

Relógios de parede e o tempo perdido em desavenças

Quando a Inteligência Artificial é usada para enganar

Mudei minha visão sobre como lidar com a velhice

A gente vai envelhecendo juntos

Ventos quentes da terra em transe afeta até a tecnologia

Celular perdido: uma morte que nos afeta profundamente

Além de cara, nossa burocracia atrasa o país

Tive o privilégio de ter mãe por 68 anos. Herdei dela preciosidades

Filme mata Ângela Diniz mais uma vez

Recomeçar do zero é uma possibilidade real para aposentados

Minha nova amiga, de 90 anos, alivia o meu medo de envelhecer

Diário do Medo – Última parte

Diário do Medo – PARTE 4

Diário do Medo – PARTE III

Diário do Medo – PARTE II

Diário do Medo – PARTE I

Bandidagem institucionalizada

Sair da versão mobile