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Marília Mendonça ‘traduziu a cumplicidade feminina’ em músicas que ganharam o país

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“No seu repertório a descrença pela existência do príncipe encantado é absoluta. Os homens são uns sacanas”

Maya Santana
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Sem medo de críticas, confesso que não conhecia a música de Marília Mendonça. Sabia do sucesso que fazia com sua sofrência, dos milhões de fãs que atraiu com sua arte, da grana alta que faturava como a cantora que mais vendia no Brasil. E mesmo vendo o abalo que a morte repentina e trágica dessa poderosa jovem artista provocou no país, normalmente, eu não falaria dela nesse espaço dedicado aos maiores de 50.

O que me faz falar de Marília Mendonça, morta na mesma semana do lendário Nelson Freire, é o desejo de dividir com você a beleza da crônica-homenagem que Joaquim Ferreira dos Santos, jornalista, escritor e cronista de primeira grandeza, dedicou à artista goiana, nesta segunda-feira(08), no espaço semanal que mantém no jornal O Globo. “Marília Mendonça dá um cascudo em Noel Rosa (e em Caymmi também)” é o título brincalhão da crônica sobre “aquela que”, diz o autor, “virou o disco e mandou os machões trocarem de calçada, pegarem o elevador, o táxi, e saírem de cena com seus maus tratos às mulheres.”

E ele continua:’Marília é um cascudo, quase um século depois, no quengo de Noel Rosa, aquele que criou uma mulher de tal forma indigesta que merecia um tijolo na testa. As mulheres sofreram o diabo entre os mais refinados compositores da música brasileira e agora o piparote de Marília vai no cocuruto baiano de Dorival Caymmi. Diante de outra que, “de cara amarrada”, não lhe correspondia ao assédio, perguntou se ela não quereria “pancada”.

Esta foi a música mais ouvida de Marília Mendonça nos últimos 10 anos:

https://youtu.be/2P2-pIRdHaM

Desde que perdeu a vida na queda do bimotor C90A, a caminho de um show, na quinta-feira, 05 de novembro, numa localidade da qual, seguramente, nunca tinha ouvido falar, a pequena Piedade de Caratinga,309 km à leste de Belo Horizonte, Marília vem sendo cantada e chorada em todos os cantos do país. Morreu uma diva! E ela tinha apenas 26 anos, completados em julho.

Assim como grande parte dos brasileiros, mesmo os que não conheciam o trabalho dela, como eu, Joaquim Ferreira dos Santos não ficou imune à dor causada pelo abrupto silenciar da voz mais consciente do sertanejo: “No seu repertório, a descrença pela existência do príncipe encantado é absoluta. Os homens são uns sacanas e as princesas também fazem como as Meghan Markle da vida, pedem para ficar fora dessa realeza ultrapassada. Vítimas de traição, elas não chamam a polícia, não jogam ácido na cara do babaca. Simplesmente respondem com infidelidade orgulhosa” – escreve o cronista.

Ele também defende que Marília Mendonça “deve ser imediatamente introduzida ao mesmo altar das Dalvas, Núbias, Bethânias e Lindas. Moderníssima e, agora próxima da linhagem de Calcanhottos, Marinas, Marisas e Anittas, ri dessa existência bagaceira onde todos correm atrás do que possa ser felicidade.”

Mais adiante, Joaquim Ferreira dos Santos reforça a importância do papel da cantora e compositora no trabalho de empoderamento das mulheres: “Ela dispensou as fãs de irem ao dicionário aprender o significado de sororidade. Traduziu a cumplicidade feminina em músicas populares.” E encerra: “Sofre-se, mas a música brasileira tem uma nova estrela trágica, aquela que reposicionou a questão feminina e, de mulher para mulher, cantou a nova ordem. Supera!”

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