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Mendigos: retrato da nossa derrota como civilização

Rua de Brasília tomada por pessoas destituídas de tudo. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
50emais

– Este é o retrato da nossa derrota como civilização – disse a moça generosa, que tirou uma tarde de sábado para dar comida a mendigos em Brasília, onde todo o poder público se concentra.

Eram mais de 200 na fila para o banho no ônibus/chuveiro do projeto, criado por um ex-morador de rua da capital federal. Tinham fome de tudo. De higiene, de churrasco, de música, de contato, principalmente.

Eles estão por toda parte no Brasil e não há ONG nem caridade individual que deem conta de alimentá-los, abrigá-los, devolvê-los à razão e ao auto-reconhecimento de sua condição humana.

Vagueiam imundos, esfomeados, desdentados, enraivecidos. São, em incontáveis tons de cinza, a própria encarnação da derrota do Estado brasileiro na promoção do desenvolvimento de seu povo.

Ê perigoso não fazer nada para estancar essa degradação que insulta, incomoda, dá pena, dá culpa.

De um lado, a classe trabalhadora, que circula pelas ruas sendo achacada pelos pedintes; de outro, os centros das cidades perdendo valor. No meio, os que tentam ajudar e não conseguem. Por cima, um Estado alheio à tragédia, incapaz de reunir profissionais capazes de pensar soluções e traçar um plano nacional para erradicação do problema.

Cena registrada numa rua do Rio de Janeiro, onde o número de mendigos só aumenta. Foto: 50emais

Os ataques a moradores de rua em São Paulo na semana de Natal mostram que o povo está farto dessa miséria. Vamos voltar à época dos esquadrões da morte? Eliminar a pobreza a tiros e pauladas? Deixá-los morrer à míngua com campanhas anti-ajuda, desmonte de barracas, incêndio de colchões, retiradas de bancos das praças, pedras pontiagudas sob viadutos?

Estamos de volta à idade média, onde uns poucos privilegiados se resguardam em seus feudos murados e deixam ao relento a massa ignara. Pouco adianta fazer festa para eles no Natal, distribuir marmitas, construir restaurantes populares.

Eles precisam de lugar para morar, de atendimento psiquiátrico, de estudo, de ocupaçào regular e remunerada, de lazer, de reconhecimento da sua existência e do desperdício dessa existência numa vida sem propósito.

Deixar que essa massa cresça é desumano e inviabiliza qualquer programa de desenvolvimento econômico. A miséria de um povo se combate com políticas que elevem sua condição de vida e não com esmolas (embora elas sejam fundamentais no curto prazo).

Essa falta de caridade capitalista que produz zumbis e doentes mentais à custa do enriquecimento de uns poucos é tema também da mais recente exposição do fotógrafo Sebastião Salgado, no SesiLab de Brasília.

Nessa obra, intitulada Trabalhadores, ele mostra as condições perigosas, insalubres, mal remuneradas e sub-humanas de pessoas submetidas a atividades degradantes para enriquecer mineradoras, construtoras, indústrias, engenhos, usinas, agronegócio. Aqui, na China, na Rússia, na Europa. Imagens recentes. De 1886 para cá.

Em oito anos, a população em situação de rua de Belo Horizonte cresceu 192%. Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Ou seja: a miséria humana é consequência da crueldade das nações que geram riqueza e não a distribuem com justiça e equidade. Quem movimenta a engrenagem do PIB está fora dele. Pior para as nações. Porque, nessa guerra entre elite rica e povo pobre não há vencedores.

Portanto, é hora de juntar gente que faz e fazer direito. No dia 11 de dezembro, o governo federal anunciou o programa Ruas Visíveis, que vai destinar 982 milhões de reais a políticas de assistência e promoção da cidadania dos moradores de rua.

Tomara que dê resultado concreto. E que esses recursos sejam incorporados ao orçamento anual, até que esse horroroso quadro de miséria seja apenas um retrato na parede do nosso passado subdesenvolvido.

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