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Moradia: construtoras de olho nos idosos

Leda (à esquerda) e Terezinha: residencial proporcionou novas amizades — Foto: Roberta Mello/Divulgação

 

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Aos poucos, o Brasil vai percebendo que está envelhecendo a passos largos. Dados oficiais mostram que o número de pessoas com 60 anos ou mais no país saltará de 15,13% da população este ano para 32,18% em 2060.

Há setores que estão começando a atentar para esse envelhecimento. Um deles é o imobiliário. As contrutoras, finalmente, se deram conta de que esse é um nicho que precisa ser explorado.

Assim, estão surgindo residenciais, prédios com muitos andares, idealizados para idosos em vários estados, como São Paulo, Paraná e o Rio Grande do Sul.

O modelo que está sendo desenvolvido no país é inspirado nos Estados Unidos, onde há residenciais para vários níveis de dependência dos idosos — da total autonomia ao cuidado em tempo integral. Os americanos, nessa área, estão bem à frente do Brasil.

Leia a reportagem de Raphaela Ribas para O Globo:

Uma dúvida comum às famílias é como proceder quando pais e avós envelhecem. Ficar sozinho em um apartamento pode ser perigoso. E morar com os filhos muitas vezes tira a liberdade de ambos. Atento a este cenário, e diante do aumento da população com mais de 60 anos no país, o mercado imobiliário encontrou um novo filão: empreendimentos voltados aos idosos, que unem independência, lazer e cuidados.

Um mercado de alto potencial, na definição das construtoras, não somente pela demanda, mas porque parte do público-alvo tem bom poder aquisitivo e está em busca de uma vida confortável. O IBGE estima que a fatia de pessoas com 60 anos ou mais no país saltará de 15,13% este ano para 32,18% em 2060.

Porto Alegre

Para a professora aposentada Leda Courtes, de 87 anos, um desses residenciais foi o meio-termo para entrar em um acordo com os filhos. Depois de morar por 66 anos em Cruz Alta, no interior do Rio Grande do Sul, acompanhou a filha na mudança para Porto Alegre, onde já estava o filho.

— Eu queria ir para uma casa de repouso, eles queriam que eu fosse para um apartamento e mantivesse minha liberdade. Aí eu vim para cá — conta ela, que hoje vive no Vintage Senior Residence, um empreendimento da Cyrela Goldsztein na capital gaúcha.

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O empreendimento tem 120 apartamentos, adaptados com portas mais largas para passar uma cadeira de rodas — ou para um cuidador caminhar ao lado do idoso —, piso nivelado, botão de pânico nos cômodos, barras de apoio opcionais no banheiro e câmeras de segurança. Além disso, o prédio conta com posto de enfermagem 24 horas, para primeiros socorros, e áreas de convivência, como restaurante e espaços para ginástica, churrasco e home theater.

Vida ativa e amizades

Os imóveis de um quarto têm 42m² e custam a partir de R$ 650 mil. Os de dois quartos e 84m² começam em R$ 1 milhão. O condomínio varia de R$ 1 mil a R$ 1.200.

— Eu morava em uma casa de três quartos, sala grande, tive que me adaptar. Mas aqui é bom, tem hidroginástica, academia, e fiz amizades — conta Leda, ao lado da amiga Terezinha Dieguez, de 83 anos.

Além da liberdade e do suporte de saúde, a sociabilidade é uma das grandes propostas desse tipo de moradia. No caso de Terezinha, a mudança ocorreu na companhia do marido, que tinha Parkinson. Ele morreu há cerca de um mês, e as novas amizades foram fundamentais para enfrentar a perda, conta ela:

— Aqui, se você não desce para a área comum, os amigos vêm te chamar. Uma amizade depois dos 80 vale muito. Foi muito importante a assistência do condomínio quando meu marido faleceu.

Refeitório no Vintage Senior Residence construído em Porto Alegre. Foto: Reprodução/Internet

Nicho inexplorado

O Vintage Senior Residence é o primeiro empreendimento da Cyrela voltado para esse público, mas outros virão, afirma o diretor de Incorporações, Luiz Paludo:

— É um nicho que ainda tem demanda para ser explorado, mesmo em grandes capitais. Vimos que há casas de repouso em condições horríveis, caras e sem concorrência, e enxergamos uma oportunidade. Porto Alegre e Rio têm muitas pessoas idosas. No Rio, porém, é mais difícil encontrar terreno na Zona Sul.

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Compartilhar moradia depois dos 50 anos é tendência internacional

O modelo que está sendo desenvolvido no Brasil é inspirado nos Estados Unidos, onde há residenciais para vários níveis de dependência dos idosos — da total autonomia ao cuidado em tempo integral. Segundo o arquiteto e urbanista Vicente Giffoni, que tem dois projetos em andamento por lá, os americanos estão bem à frente dos brasileiros. Lá, a tendência, diz, são os villages, uma espécie de pequenos bairros planejados, com toda a estrutura:

— Os moradores são idosos, mas têm saúde, adoram festa, convívio, esporte, e esses espaços proporcionam tudo isso.

Mestre em engenharia biomédica e PhD em gestão de saúde, Norton Mello, da Bioeng Projetos, estuda arquitetura e longevidade e sublinha que um desafio nos projetos brasileiros é ir além da segurança e desenvolver ambientes mais agradáveis e que potencializem a longevidade ativa e independente dos idosos.

‘Oportunidade de negócios’

Além de dois empreendimentos em Santa Catarina e um em São Paulo voltado exclusivamente a idosos, Mello está envolvido no BIOOS, da construtora Laguna, em Curitiba, que prevê uma torre comercial voltada para a área médica e outra para residência, onde também haverá um posto de saúde 24 horas.

— O mercado imobiliário está começando a enxergar no envelhecimento uma oportunidade de negócios. Há uma pressão demográfica rápida e grande, em um país que não tem estrutura de saúde pública e habitacional para dar vazão a essa demanda — analisa Mello, também autor do livro “Senior living: conceito, mercado global e empreendimentos de sucesso”.

O BIOOS terá 108 apartamentos, de um ou dois quartos, e 70% estão vendidos. A convenção do prédio só permite moradores acima de 60 anos, para não descaracterizar o local. Os imóveis têm 50m² ou 80m² e custam a partir de R$ 800 mil, o de um dormitório. Incluem portas e corredores mais largos, pisos sem degraus e box com porta de correr, entre outras adaptações. A taxa mensal é de R$ 1.200, sendo R$ 600 de condomínio e R$ 500 pelo posto de enfermagem.

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— O BIOOS é um residencial, não é um instituto de idosos. O morador chega e sai a hora que quer. A pessoa continua tendo autonomia e, ao mesmo tempo, conta com cuidados médicos, se precisar. Isso teve uma aceitação muito boa — resume Gabriel Raad, CEO do Grupo Laguna.

Grau de dependência mais alto

Já a ABF Developments coloca suas fichas na profissionalização de casas de repouso, com a venda dos quartos. Além de uma boa infraestrutura, os empreendimentos são voltados a idosos mais dependentes de cuidados e oferecem serviços médicos intensivos. O negócio atrai principalmente investidores, que alugam os cômodos.

O primeiro empreendimento deste tipo, o Magno Três Figueiras, em Porto Alegre, vendeu quase todas as unidades. São 114 quartos entre 21 m² e 35m², com valores que partem de R$ 600 mil. Com isso, em julho, lançaram o Magno Moinho na mesma cidade. Estudam outros na capital gaúcha e em São Paulo.

— É um modelo de boa rentabilidade. Por atender a quem tem um grau de dependência mais alto, substitui a clínica geriátrica, com uma gestão profissionalizada — diz Eduardo Fonseca, CEO da ABF.

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