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Mulheres que decidiram não ter filhos reclamam do preconceito por não serem mães

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Jornalista Ana Paula Padrão entendeu que vontade de engravidar estava mais relacionada à pressão social do que a um desejo pessoal. Foto: Divulgação

 

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‘É como se não ter filhos fosse uma tragédia’: o estigma contra mulheres que não são mães“. Este é o título dessa reportagem de André Bernardo para o site da BBC Brasil.  Trata do preconceito sofrido por mulheres que, por decisão própria, não tiveram filhos. Muitas delas não se conformam. “Não é uma doença não querer ter filhos. Eu não quero ter filhos”, repete a roteirists Jaqueline Vargas.

Como ela, eu não tive filhos. Durante um período, por volta dos 30 anos, me questionei muito sobre a maternidade. Hoje, aos 71 anos, não tenho qualquer arrependimento. E nem me aborreço quando as pessoas querem saber por que não sou mãe.

Já a apresentadora Ana Paula Padrão, também ouvida na reportagem, conta que sente o preconceito, mas vive muito bem sem filhos. “Não sou e não pareço ser uma mulher triste. Não me sinto incompleta. Minha vida é feliz e bastante divertida. Acima de tudo, sou quem eu queria ser” – afirma ela.

Leia a reportagem:

Toda vez que a roteirista Jaqueline Vargas responde ‘não’ à pergunta “Você tem filhos?” ouve um longo e pesaroso “Ahhhhhhhh!”. “É como se não ter filhos fosse uma tragédia”, diz. Passado o susto inicial, logo surgem os primeiros questionamentos: “Quem vai cuidar de você na velhice?” e “Por que você não adota uma criança?” são os mais recorrentes.

E não é só isso, conta ela. As pessoas ainda lhe questionam se ela tem algum problema de saúde e, por último, propõem soluções infalíveis.

“A grande maioria tenta ajudar a resolver essa falta de filho. A possibilidade de simplesmente não querer ser mãe é uma das últimas que surgem e quase sempre para encerrar o assunto”, acrescenta.

Autora de filmes, novelas e séries, como Predestinado (2022), Floribella (2005-2006) e Sessão de Terapia (2019-2021), Jaqueline Vargas acaba de lançar o livro Aquela que Não É Mãe (Buzz Editora). Nele, reúne poemas (“No paraíso não existem mães / No paraíso não existem filhos / No paraíso apenas existem”) e reflexões (“Não é uma doença o que eu sinto. Não é uma doença não querer ter filhos. Eu não quero ter filhos”) sobre o tema. A decisão de não ter filhos, conta a roteirista, veio aos poucos. Primeiro, ainda jovem, aos 18 anos. Depois, voltou a pensar no assunto aos 33. E, por fim, perto dos 40, resolveu assumir.

A família não criticou sua decisão. Mas, por outro lado, sempre incentivou a maternidade. Não só a família, mas a sociedade, que sempre associou a figura materna a algo único, sagrado, imaculado: “o momento mais lindo na vida de toda mulher”, dizem… “Quando uma mulher abre mão de ser essa criatura sagrada para ser só uma mulher, como se isso fosse pouco, causa assombro. Afinal, sempre foi incumbida de várias funções, como cuidar da casa, dos filhos, dos idosos e por aí vai. A mulher como cuidadora de si mesmo é algo relativamente novo”, observa. “Para muitas pessoas, a mulher que não quer ter filhos é uma mulher estranha, que causa assombro. E, diante do assombro, muitas pessoas podem ser hostis”.

A roteirista até escreveu um livro sobre o assunto, “Aquela que Não É Mãe”. Foto: Divulgação

Desejo pessoal x pressão social

Mulheres sem filhos não estão livres de sofrer ataques ou enfrentar preconceitos. No dia 12 de outubro de 2021, a jornalista Ana Paula Padrão estava na casa de uma amiga quando, lá pelas tantas, pensou em postar uma foto linda com o filhinho pequeno dela. Em vez disso, publicou um texto no Instagram que dizia: “Hoje é Dia das Crianças e não há crianças em casa. Eu não tive filhos. E, acredite em mim, a vida sem filhos não é uma vida vazia…”. Para surpresa da jornalista, o texto viralizou nas redes sociais. “Para mim, é um assunto muito natural. Mas percebi que destampei uma caixa de tabus. A repercussão me surpreendeu”, relata a apresentadora do programa MasterChef, da Band.

No texto, Padrão conta que já sofreu um aborto espontâneo. Diz ainda que, hoje em dia, entende que a vontade de engravidar estava mais relacionada à pressão social do que a um desejo pessoal.

“Quando me perguntam se tenho filhos, digo que não com tamanha tranquilidade que isso desarma as pessoas”, prossegue Padrão. “Não sou e não pareço ser uma mulher triste. Não me sinto incompleta. Minha vida é feliz e bastante divertida. Acima de tudo, sou quem eu queria ser”, garante. “É difícil criticar uma pessoa realizada como eu por não ter seguido uma expectativa coletiva. Essa cobrança não me afeta. Fala mais sobre quem cobra do que sobre as minhas escolhas”.

Ter ou não ter: eis a questão

No Brasil, 37% das mulheres em idade fértil (dos 15 aos 49 anos) não pensam em ter filhos em nenhum momento. E 81% não pensam em ter filhos pelo menos nos próximos cinco anos. Entre as entrevistadas, 56% estão em uma relação estável e 74% trabalham integral ou parcialmente. É o que aponta uma pesquisa realizada pela farmacêutica Bayer, com apoio da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e do Think About Needs in Contraception (TANCO). O estudo entrevistou 726 ginecologistas e 7 mil pacientes (1,1 mil brasileiras).

“Ainda hoje, mulheres que não querem ter filhos são obrigadas a escutar que são egoístas ou questionadas se têm algum trauma psicológico”, constata a antropóloga Mirian Goldenberg. “O mais curioso é que as próprias mulheres cobram de outras mulheres que elas sejam mães. Como se a maternidade fosse a única escolha legítima ou, ainda, a mais legítima de todas”.

Mirian Goldenberg, antropóloga: “O mais curioso é que as próprias mulheres cobram de outras mulheres que elas sejam mães. Foto: Divulgação

Goldenberg sabe do que está falando. Ela nunca teve filhos. E já escreveu até crônica sobre o assunto, Ter ou Não Ter Filhos: Eis a Questão, de 2017.

“Apesar da cobrança social e da pressão das amigas, decidi, desde muito jovem, que não teria”, diz o texto.

Doutora em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela conta que, no seu caso, não houve um momento em que decidiu não ser mãe. Ela simplesmente nunca teve esse desejo. Seus dois ex-maridos queriam. Tanto que, depois que se separaram, tiveram.

“Nunca me senti cobrada. Nem pela minha família, nem pelos meus ex-maridos. Me senti cobrada, sim, pelas minhas amigas e por outras mulheres”.

Em 2012, a professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Thássia Souza Emídio, publicou um estudo, Elas Não Querem Ser Mães: Algumas Reflexões Sobre a Escolha Pela Não Maternidade na Atualidade, em parceria com a aluna Thaís Gigek.

À época, as pesquisadoras entrevistaram seis mulheres, entre 30 e 55 anos, que não quiseram ter filhos. Em vez da maternidade, priorizaram outros projetos, como a carreira profissional, por exemplo.

“Nossa sociedade, machista e patriarcal, não consegue enxergar a mulher para além do seu papel de mãe. No entanto, há diferentes possibilidades. O percurso feminino é plural. Outros ideais de vida podem ser configurados. É preciso romper com essa norma social que conecta o feminino à maternidade”, afirma Thássia.

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