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“O que me espantou foi a faixa etária dos modelos, já passados da terceira idade”

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O comercial da marca Reserva do Dia dos Namorados chamou a atenção por mostrar dois idosos, e não dois jovens, enamorados. Foto: Reprodução/Internet

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Comercial como este que a marca de roupas íntimas Reserva divugou há cerca de duas semanas, a propósito do Dia dos Namorados, e causou tanto espanto será cada vez mais comum, simplesmente porque a população envelheceu.

Dados do IBGE mostram que um quarto dos habitantes do Brasil, em torno de 54 milhões de pessoas, tem mais de 50 anos. E esses números só crescem.

Apesar disso, essa enorme parcela de brasileiros, com bom poder aquisitivo, ainda é ignorada por muitos setores, iclusive o comercial. Ainda é forte o preconceito de idade.

Mas, diante das evidências (estão por toda parte) do nosso envelhecimento, essa situação começa a mudar. O comercial da Reserva é prova disso.

Leia o trecho do artigo que Eugênio Bucci escreveu para o Estadão comentando o comercial da grife, que veio que veio como se fosse a capa do jornal:

No domingo passado, a mercadoria da vez era uma grife de cuecas e roupas íntimas, interessada em aquecer as vendas por ocasião do Dia dos Namorados. Não sei o que acharam disso aqueles e aquelas que agora me leem (muito obrigado), mas, quanto a mim, bem, eu levei um susto.

Para ser sincero, fiquei mesmerizado. Não consegui desgrudar minhas retinas fatigadas da fotografia em que um homem e uma mulher se abraçam, de olhos fechados. Na cena, em preto e branco, ambos estão quase nus, só o que lhes cobre as partes são sumárias roupas de baixo – com a marca do anunciante, claro.

Fiquei olhando, olhando sem parar. A imagem prima pelo realismo, quase dá para ouvir os sussurros.

O meu susto, porém, não veio da seminudez supramencionada. Gente pelada se vê na mídia em toda parte, a toda hora, nas mais variadas conjunções (carnais, inclusive), sob os mais implausíveis pretextos. Eu não me surpreendo mais com nada disso, tampouco me assusto. Corpos descobertos povoam os outdoors, a televisão, a internet, os folhetos de informação médica e as vitrines de joalherias.

A marca acertou: o comercial deu o que falar. Foto: Reprodução/Internet

O que me espantou, na manhã de domingo, foi a faixa etária dos modelos, já passados da terceira idade. Com todo o respeito, poderíamos dizer que ele e ela são idosos, o que não os impede de esbanjar sensualidade, paixão, ou, no vocabulário de Baruch de Espinosa, esta lascívia copulatória: “o desejo e o amor de unir os corpos”. Meu susto veio disto: eu realmente não esperava por esse erotismo geriátrico.

Mas adorei. Na indústria do entretenimento, não é comum que cenas calientes tenham como protagonistas garotas com mais de 17 anos e rapazes com mais de 25. O fetiche absurdo de que só há beleza em matéria nova se converteu num imperativo imperioso: exceção feita a algumas grifes de vinho, só o que é novo em folha tem valor comercial.

Gostei de ver a desobediência a esse imperativo – e até achei atraentes as duas figuras. Em meio ao conservadorismo assexuado dos textos jornalísticos, vibrei com a libido de peles envelhecidas sequiosas por grudarem uma na outra. Em 1988, entrevistei a atriz Lélia Abramo, então com 77 anos. “O amor é uma aderência”, ela comentou, entre uma resposta e outra. Nunca esqueci. Publico só agora.

Eu sempre jogo fora todas as “capas promocionais”. Nem tomo conhecimento. Desta vez, guardei. Ela está aqui comigo enquanto escrevo. Fico olhando. Devo ter me identificado. Outro dia, ao fazer a barba, notei no espelho duas rugas na minha testa tristonha.

Os vincos principiam logo acima do nariz, entre as sobrancelhas, e avançam na direção dos cabelos que já não tenho. São dois sulcos verticais, mais ou menos paralelos, como o Tigre e o Eufrates. Não quero aterrá-los, apagá-los, atenuá-los. Sinto orgulho dessas linhas. Vejo nelas alguma personalidade, além de muita história.

Veja o comercial:

Enrugado, fico melhor. Talvez até mais garboso, eu me animo, contemplando o apetite lúbrico que confere uma aura fugaz à minha “capa promocional” de estimação. Sempre soubemos que “amor é privilégio de maduros”, mas sempre calamos a respeito.

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