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Proibir o acesso ao nu artístico para “proteger” crianças é burro

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“Group feminine nudes” tela Pablo Picasso pintada em 1921,

Maya Santana, 50emais

Decidi postar este artigo do ator e humorista Marcius Melhem, do Uol, porque reflete exatamente o que penso sobre o assunto. Recentemente, publiquei aqui um vídeo da atriz Fernanda Montenegro, 87, fazendo uma veemente defesa da arte, diante do que chamou de onda conservadora que vem se abatendo sobre o país. Fernanda foi duramente criticada. Em alguns dos comentários, chegou a ser insultada. Como este é um espaço aberto a ideias, aqui estão as ideias sãs de Marcius Melhem.

Leia:

Fui uma criança sem museus. Mais que isso, fui uma criança sem o nu que os museus exibem. E posso testemunhar o que isso causa.

Mas antes vou falar sobre duas crianças que, aos oito anos, já viram alguns museus e, neles, vários nus: Manuela e Nina, minha filhas.

Nas férias de julho as levamos ao Louvre. Era um grupo grande de crianças, com uma guia brasileira radicada na França e especializada em explicar arte a pequenos.

Lá, meninos e meninas viram muitas representações do nu. Aprenderam sobre as diferentes visões do corpo humano, observaram esculturas e telas, arte grega e romana, enfim… um banho de cultura

Nas três horas de passeio nenhuma das quase 20 crianças fez qualquer piadinha erótica ou qualquer menção ao corpo que não estivesse no contexto da arte. Elas queriam mesmo entender como o corpo era visto e representado. A única coisa que chocou as crianças foi a perfeição das esculturas, como a “Psiquê revivida pelo beijo de amor”, de Antonio Canova, que fez com que elas dessem voltas e voltas em torno da obra pra ver todos os detalhes.

O que se viu naquela manhã foram menores em um ambiente de arte, monitoradas por seus pais, enriquecendo seu universo, aprendendo cultura e história ao mesmo tempo.

O nu estava naturalizado, olhado com interesse artístico, e foi lindo ver a reação delas.

Voltando à criança que não teve acesso a museus, posso dizer em contraponto o que isso me causou. Lá nos anos 1980 aprendi o que era o nu feminino nas páginas da “Playboy”, nos filmes da Sala Especial, nas revistas de historinhas e fitas VHS que nós trocávamos escondidos dos pais.

Aprendi sobre o corpo humano da forma mais erótica e grosseira –sem beleza, sem arte, olhando a mulher como um objeto do prazer alheio. Demorei a combater isso em mim e ainda hoje estou atento às sequelas dessa pré-adolescência onde o nu era proibido, escondido, não natural.

Querer proibir o acesso ao nu artístico com a desculpa de proteger crianças, além de desleal, é burro. Esta visão diz muito sobre quem a tem.

Talvez essas pessoas sejam o adolescente que eu fui, mas sem se recuperar a tempo. Não à toa entre os arautos da moralidade está um deputado que foi flagrado vendo vídeos pornôs no meio do plenário em 2015.

Lógico que a criança não pode ter acesso a tudo. E como pai estou atento. Ultimamente, por exemplo, tenho procurado restringir o acesso das minhas filhas ao conteúdo da TV Câmara e da TV Senado.

Veja algumas das obras expostas no Louvre, em Paris, um dos museus mais importantes do mundo:

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