Ícone do site 50emais

Recomeçar do zero é uma possibilidade real para aposentados

Nem todos querem ser livres. Nem todos podem ser livres. Mas os aposentados podem. Não precisam deixar de trabalhar e continuar penando nas cidades de origem, principalmente em capitais caras e abarrotadas de gente. Foto: Reprodução/Internet

Márcia Lage
50emais

– Quem é feliz fica feliz em qualquer lugar.

– A felicidade é um estado de espírito

– Ninguém deve fugir das dificuldades.

Essas são algumas frases que ouço com frequência, só porque mudo de casa e de cidade com a naturalidade de uma ida ao supermercado. Tenho na cabeça um ideal urbano que talvez venha de Brasília, cidade planejada para ser bonita, humana e funcional, onde morei por 30 anos.

Um esgoto a céu aberto, uma matança de árvores, trânsito agarrado, violência e falta de educação são motivos mais do que suficientes para eu sair em busca de outro endereço, na tentativa de viver com dignidade e qualidade de vida, dentro ou fora do Brasil.

Há, nas frases decoradas que me dizem uma incompreensão, justificável, dos que suportam as piores cidades, não por falta de opção de troca, mas por falta de liberdade para escolher. É o emprego, a família, os laços afetivos, o bairrismo, a identificação com um padrão de comportamento difícil de ser modificado, o conformismo, enfim.

Mover exige coragem. resiliência, adaptação a novos hábitos, abertura para o novo, o desconhecido, facilidade de comunicação e mente aberta, sem preconceitos, julgamentos ou comparações.

Ai, dá preguiça. Melhor aguentar. Afinal, a felicidade é ilusão, todo lugar tem problemas, fugir é covardia e Deus proverá. Tá bom. Então, não reclame do calor, da guerra de facções, do transporte urbano precário, das distâncias entre a casa e o trabalho, da falta de Internet, das quedas de energia, do custo de vida, da solidão das multidões.

Esta semana, enquanto 90 por cento da população assava na bolha de ar quente que tampou o país, eu estava de boa. Sem ar condicionado e sem ventilador, numa cidade que faz 30 graus durante o dia. Por ser pequena e arborizada, tem ventos que reduzem a sensação térmica e mantêm as noites frescas.

Não vou falar que cidade é essa, porque ela é muito singela e não agrada a quem gosta ou precisa de morar entre espigões. Também não cabe mais ninguém, pois já esgotou sua cota de 20 mil habitantes e não tem ânsia de crescer.

Fugi para ela e fugirei de novo, se ela piorar. Não posso mudar a cidade, mas posso mudar de cidade. Não enfrento bala perdida nem crime organizado, não gosto de desorganização urbana nem de sofrer em filas, ônibus lotados e engarrafamentos.

Quem quer ser herói que se frite, mas não venha me dizer que todo lugar tem problema e que a felicidade é um estado de espírito. Até que é, desde que o espírito esteja em paz num Estado civilizado.

Nem todos querem ser livres. Nem todos podem ser livres. Mas os aposentados podem. Não precisam deixar de trabalhar e continuar penando nas cidades de origem, principalmente em capitais caras e abarrotadas de gente. O Brasil é grande e tem lugares aprazíveis para se viver. Com custo de vida barato, sem necessidade de carro ou transporte público.

Mudar de vida, de cidade, conhecer pessoas diferentes, abraçar novas causas ou atividades, recomeçar do zero é uma possibilidade real para aposentados. Para que continuar no mesmo lugar, com os mesmos problemas, só porque alguém criou a crença de que a instabilidade é um defeito de personalidade?

Eu, heim! Como diz o sábio José Simão, quem fica parado é poste. Em tempos de aquecimento global e de universo virtual, mudar de lugar e de forma de pensar e agir é saudável, regenera a vida. Se essa capacidade de se reinventar é interpretada como fuga, observem a natureza.

Os bichos são os primeiros a procurarem locais seguros quando pressentem tempestades, terremotos, tsunamis ou um inimigo cruel. Assim se perpetuam, escapando de perigos e refazendo seus bandos.

Só os humanos se arriscam, apegados ao conhecido. Não deixam suas casas nem quando há alerta de acidentes naturais, transformando em tragédias o que poderia ser apenas um incidente ocasional.

Perdas materiais se recompõem. Saúde, vida e paz de espírito, não.

Leia também de Márcia Lage:

Minha nova amiga, de 90 anos, alivia o meu medo de envelhecer

Diário do Medo – Última parte

Diário do Medo – PARTE 4

Diário do Medo – PARTE III

Diário do Medo – PARTE II

Diário do Medo – PARTE I

Bandidagem institucionalizada

A sertaneja que mora em mim me protege

Sair da versão mobile