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86% de cuidadores de pessoas com demência no Brasil são mulheres

Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil revela que pacientes não têm necessidades atendidas, enquanto cuidadores estão sobrecarregados e necessitam de capacitação sobre a condição

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Na minha casa, no interior de Minas, afortunadamente, não temos problema de demência na família, embora quase todos nós já tenhamos mais de 60 anos.

Mas o meu irmão mais velho sofreu um AVC há pouco mais de quatro anos. E, de lá para cá, só teve cuidadoras. Elas se revezam, de forma que ele nunca fique sozinho.

Já na casa de uma grande amiga, a mãe, essa sim com demência, é cuidada por quatro outras valorosas mulheres. Confirmando Relatório Nacional Sobre Demência no Brasil, que mostra que as mulheres são a vasta maioria dos que cuidam de pacientes com Alzheimer e outras demências.

E a participação delas nessa atividade deve crescer. Estima-se que, em 2019, 1,85 milhões de pessoas no Brasil viviam com demência. As projeções indicam que esse número triplicará até 2050, segundo o relatório.

Leia mais neste artigo de Renata Okumura, publicado pelo Estadão:

Ao menos 73% dos custos associados aos cuidados com pessoas com demência são arcados por familiares, amigos ou vizinhos, e as mulheres são, na maioria das vezes, as principais responsáveis por cuidar da pessoa com a condição. É o que mostram dados divulgados neste mês no Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (ReNaDe), produzido pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz em parceria com o Ministério da Saúde por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS).

O levantamento mostra ainda que muitas destas mulheres que viram cuidadoras precisam deixar de exercer atividade remunerada para prestar os cuidados necessários ao familiar com demência, uma condição clínica normalmente progressiva que afeta as funções cognitivas e a capacidade do indivíduo de realizar tarefas diárias.

“Está entre as principais causas de anos de vida perdidos e de anos vividos com incapacidade na população mais velha. É a sétima causa de morte no mundo e a quarta causa de morte em pessoas com 70 anos ou mais no Brasil”, diz o texto de divulgação do relatório.

Segundo o documento, estima-se que a demência custou globalmente, em 2019, U$ 1 trilhão (cerca de R$ 4,8 trilhões) e que mais da metade desse custo é proveniente do cuidado informal não remunerado, em geral, realizado por familiares mulheres.

Em geral, os custos diretos envolvem internações, consultas ambulatoriais, aquisição de medicamentos, assim como os indiretos estão relacionados com custos provenientes do cuidado informal ofertado por familiares ou amigos e da perda de produtividade da pessoa que é cuidadora.

Conforme o estudo, os custos indiretos, aqueles relacionados ao cuidado informal geralmente exercido por algum familiar ou amigo da pessoa que vive com demência, representam pelo menos 73% dos custos totais, independentemente do estágio da demência. Portanto, as pessoas com demência e seus cuidadores familiares arcam com uma parcela significativa dos custos relacionados à demência.

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“Os custos provenientes do cuidado informal, ou seja, do cuidado provido por familiares e/ou amigos, respondem por, no mínimo, 73% dos custos totais em demência na sociedade, podendo chegar a 81,3% a depender do estágio da demência.”

Isso reflete a sobrecarga relacionada ao cuidado para as famílias das pessoas que vivem com demência, uma vez que são os familiares próximos que realizam a maior parte do cuidado. Esse custo médio mensal por pessoa aumenta de acordo com o estágio da demência da pessoa atendida.

A proporção de custos indiretos ainda permanece bastante elevada em todas as regiões brasileiras, sendo maior na região Nordeste e menor no Sul do País.

A pesquisa foi realizada com 140 pessoas diagnosticadas com demência que são acompanhadas no SUS e seus respectivos cuidadores familiares nas cinco regiões do Brasil, incluindo cidades de diferentes portes de abrangência.

O estudo revela que toda pessoa com demência tem necessidades não atendidas, independentemente do estágio da doença e que a maioria dos cuidadores são familiares – e não profissionais. Apesar de a maioria dos cuidadores ainda exercer um trabalho externo, eles dedicam, em média, 10 horas diárias de cuidado à pessoa com demência.

De acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população geral brasileira aumentou 6,4%, enquanto o número de pessoas com idade igual ou acima de 60 anos cresceu 56%, ou seja, nove vezes mais. Em 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou que mais de 55 milhões de pessoas viviam com demência no mundo, com projeções de atingir, em 2050, mais de 150 milhões de indivíduos. No Brasil, estima-se que, em 2019, 1,85 milhões de pessoas viviam com demência, e as projeções indicam que esse número triplicará até 2050, consta ainda no estudo.

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Perfil das pessoas com demência

A pesquisa envolveu 140 pessoas com demência, sendo 69,3% mulheres. Em média, tinham 81,3 anos. O estudo mostra que 75,7% tinham menos de quatro anos de escolaridade. Do total de pacientes com demência, 22% estavam no estágio inicial da doença (CDR 1), 38% no estágio moderado (CDR 2) e 40% no estágio avançado (CDR 3).

O relatório revela ainda que 42% não utilizavam nenhum tipo de medicamento para demência. Dos que utilizavam, somente 15% retiravam a medicação gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS).

Ainda conforme a pesquisa, 51,4% utilizaram o serviço privado de saúde em algum momento para a obtenção do diagnóstico.

Perfil dos cuidadores

Ao avaliar as necessidades de cuidado das pessoas com demência, também é necessário avaliar as características e necessidades dos seus respectivos cuidadores, aponta o estudo. “Sabemos que o cuidado das pessoas com demência é realizado majoritariamente por pessoas do convívio familiar, sem vínculo formal de emprego. É comum que isso acarrete impacto significativo na vida pessoal do cuidador.”

Os 140 cuidadores entrevistados tinham em média 57,8 anos. Do total, 86% eram mulheres. Entre eles, 57% eram filhos(as) e 25,7%, cônjuges/companheiros(as). De acordo com a pesquisa, 71,4% dos cuidadores apresentavam sinais de sobrecarga relativa ao cuidado.

O relatório mostra ainda que 83,6% exerciam o cuidado de maneira informal e sem remuneração pelo cuidado exercido. Além disso, 65,7% ainda mantinham outro trabalho.

Pelo menos 45% apresentavam sintomas psiquiátricos de ansiedade e depressão. As atividades relacionadas ao cuidado e supervisão da pessoa com demência consomem uma média diária de 10 horas e 12 minutos, segundo o relatório.

Conforme o relatório, os dois domínios com maior porcentagem de necessidade não atendida estão relacionados ao conhecimento e habilidades do cuidador: capacitação (conhecimento sobre a doença e recursos disponíveis na comunidade), seguido de vida diária (habilidades do cuidador em lidar com o cuidado exigido por uma pessoa com demência).

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Além disso, entre os principais fatores associados a necessidades não atendidas do cuidador estão a inexistência de um cuidador reserva e estar há pouco tempo no papel de cuidador. “Ou seja, cuidadores que assumiram há pouco tempo esse papel, e que não contam com suporte adequado, apresentam mais necessidades não atendidas, independentemente do estágio de progressão de demência e de sua própria saúde mental.”

Subdiagnóstico de demência é um desafio

Apesar dos números e do impacto para as pessoas que vivem com demência e seus familiares, assim como para a sociedade em geral, a demência ainda é subdiagnosticada. Estimativas recentes para o País, de acordo com o relatório, sugerem que apenas cerca de 20% dos casos estão devidamente diagnosticados.

Para a epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto ReNaDe no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, os transtornos relacionados ao envelhecimento, como as demências, se tornarão ainda mais comuns, e, consequentemente, será necessário atender as necessidades da população que vive com essa condição e de seus familiares.

“Além de ser um desafio cada vez maior, nós precisamos aumentar as taxas de diagnóstico e melhorar o cuidado. No Brasil, temos cerca de 2 milhões de pessoas com demência, e 80% delas não estão diagnosticadas e aquelas que estão diagnosticadas têm muitas necessidades não atendidas.”

O subdiagnóstico é um desafio mesmo para países com maior poder econômico, podendo estar relacionado ao desconhecimento sobre o tema. “Existe uma falta de informação até por parte dos profissionais de saúde, que muitas vezes não têm treinamento específico sobre demência, além da escassez de serviços que atendam adequadamente às necessidades das pessoas com demência e de seus cuidadores”, acrescenta Cleusa.

Suporte aos pacientes e cuidadores

Como resultado, o relatório revela a importância de manter uma avaliação constante das necessidades do cuidador de forma integral para que ele possa exercer melhor o cuidado com a pessoa com demência.

“Manter uma avaliação constante das necessidades de cuidado da pessoa com demência, adequando a necessidade a cada estágio da doença e verificar outros possíveis fatores associados a mais necessidades de cuidado da pessoa com demência de forma a agir naqueles que são modificáveis.”

O estudo também ressalta a importância de oferecer, em todas as regiões do País, treinamento aos cuidadores informais (por exemplo, familiares e amigos) sobre a prestação de cuidados para pessoas com demência, como forma de dar suporte e apoio aos cuidadores.

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