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A polêmica em torno da depressão das mulheres de Belo Horizonte

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“BH não merece a alcunha de cidade depressiva, ainda mais agora, quando luta com todas as forças para não perder a Serra do Curral, o belo horizonte que possui.” Foto: Movimento Abrace a Serra

Márcia Lage

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Pesquisa do Ministério da Saúde aponta Belo Horizonte como a capital brasileira com mais mulheres deprimidas: 23%. Quanto aos homens, nem tanto. Pouco mais que 10%. Leio a notícia e me vem à memória um bar ao lado da minha casa, onde os homens jogavam baralho e bebiam cerveja toda tarde, rindo uns dos outros, felizes como se não fossem casados nem tivessem filhos.

O bar ainda existe e é frequentado por outra geração de homens, que jogam porrinha num alto desafio mental, bebem cerveja e comem churrasco. Não há preocupação no mundo desses homens. Que vida boa a deles, que saem do trabalho e se divertem enquanto suas mulheres fazem o jantar, ensinam os deveres escolares aos filhos e dão banho neles.

Quando os maridos chegam, encharcados de cachaça e cerveja, a paz reina no domicílio e eles podem dormir tranquilos. Talvez façam amor com as mulheres. Talvez não, porque elas estão cansadas e já botaram o relógio para despertar para fazer o café, acordar as crianças e ordenar o dia. É natural que só 10% deles sejam deprimidos.

No entanto, não posso usar de uma memória de infância, recorrente até hoje, para explicar os dados obtidos pelo Ministério da Saúde. Passo mensagens para as mulheres da família e amigas residentes em Belo Horizonte e pergunto se elas concordam com a pesquisa. Se concordam, que apresentem as razões.

Machismo é causa central

O machismo apareceu em todas as respostas. A falta de compromisso dos homens com os deveres da casa e da família também. A mulher é sobrecarregada com as tarefas domésticas, a criação  dos filhos, as claras disfunções salariais e as pressões no trabalho para se fazerem merecedoras dos cargos que ocupam.

A advogada Virginia Castro menciona a pressão doméstica e profissional como um dos fatores geradores de estresse entre as mulheres, além do desemprego e da precarização do trabalho.

A engenheira Luzmarina Madureira ressalta os baixos salários e o assédio sexual e moral que sofreu em todas as empresas onde atuou. O salário dela era sempre inferior ao dos homens e não conseguiu firmar-se na área que escolheu, a de construção de estradas, predominantemente masculina. Só quando saiu de Minas foi reconhecida profissionalmente e pôde seguir carreira.

Jane Medeiros, jornalista, vê no conservadorismo mineiro um fator de desilusão. “Em BH, vive-se de aparência, da necessidade de mostrar que se é feliz, bem-sucedido, que a família é perfeita. Creio ser essa uma das razões para tantos gays aqui viverem dentro do armário e só se assumirem, se sentirem bem, quando saem de BH. E o machismo caminha junto com o conservadorismo, contribuindo para repressão e ‘depressão’ das mulheres”.

Falta de lazer contribui para quadro depressivo

A falta de lazer, de áreas públicas para práticas de esporte e socialização também são motivos para depressão, atestam todas. Cláudia Barcelos, designer gráfica, diz que em BH a vida é muito fechada. “Não tem praia, nem calçadão, poucas praças, parques com pouca segurança…  é tudo muito indoor e isso é pouco saudável. Por isso o mineiro está sempre procurando outro lugar pra viver”.

Um homem entra na conversa para dizer que, afora o machismo, todas as outras questões citadas afetam a população inteira, não apenas as mulheres. Ele questiona a pesquisa. Foi feita com que intenção? Com quais critérios? “O Ministério da Saúde, de ações muito duvidosas, ligou para as pessoas e perguntou se elas estavam deprimidas e pronto? Sem perguntar a causa?”

O professor Gilberto Moura acredita que o propósito da pesquisa foi confirmar que, onde houve mais restrições de convívio por causa da pandemia, a depressão foi maior. “Porque, se o fator fosse o machismo, a falta de lazer e o desemprego, Macapá, São Luiz e Belém não ocupariam os últimos lugares na depressão feminina. São cidades muito mais difíceis de se viver do que Belo Horizonte”.

Ele ressalta o número geral da pesquisa, que dá 14,7% de depressão entre as mulheres e 7,3% entre os homens. Ou seja: ou os homens têm menos percepção da doença ou menos percepção da responsabilidade deles em relação aos trabalhos domésticos e criação dos filhos, sendo mais capazes de relaxar enquanto as “conjas” ralam.

– É preciso aprofundar mais essa pesquisa – diz.

BH não merece a alcunha de cidade depressiva, ainda mais agora, quando luta com todas as forças para não perder a Serra do Curral, o belo horizonte que possui.  No fundo, no fundo, o Brasil inteiro está deprimido, pela falta de perspectiva futura e pelo retrocesso político e econômico que atravessamos. Não dá para ser feliz numa conjuntura dessas, conclui.

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