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Cura

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Deborah Colker montou um espetáculo chamado Cura para expressar uma indignação de avó diante do fato de não haver cura para a doença do neto

Ingo Ostrovsky
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Nas décadas de 1960 e 1970 era bastante comum ouvir que a medicina estava perto de encontrar a cura do câncer. Poderia demorar, mas até o ano 2000 essa doença estaria controlada, seria coisa do passado. Naqueles dias nem se falava “câncer” em voz alta. Era um sussurro. O eufemismo mais comum era “muito doente”.

Tomei noção de que o câncer era um mal fatal quando o pianista e cantor Nat King Cole ficou doente. Foi a primeira vez que ouvi falar em quimioterapia, ele foi o primeiro – na minha vida – a divulgar o tratamento. Não adiantou muito. A voz de Cole se calou para sempre. Ainda bem que ficaram as gravações.

Entramos no século 21 e o câncer continuou matando. Sofri com a perda de conhecidos, não era mais aquele sussurro distante. Houve avanços, claro, algumas manifestações da doença hoje são controláveis, o diagnóstico precoce pode salvar muitas vidas. Já se fala o nome antes proibido. Minha dermatologista, por exemplo, ao identificar uns sinais na minha pele pediu um exame mais detalhado com as palavras “… isso pode ser um câncerzinho!”.
Não era nada sério, felizmente.

As questões de saúde da minha adolescência não existem mais; extraí as amigdalas da garganta aos 9 anos e hoje os jovens nem sabem o que é isso. Me lembro que era um procedimento bastante simples e que trazia junto o bônus de liberar sorvetes antes de qualquer outro alimento. Tive apendicite aos 13, coisa séria na época, implicava em cirurgia, anestesia geral e todos os perigos disso resultantes. Era coisa comum, vários amigos e conhecidos passaram pelo mesmo procedimento.

Minha geração foi a primeira a tomar vacinas regularmente, o que erradicou doenças bastante comuns e não menos perigosas como sarampo, paralisia infantil e outras. Catapora – lembra? – era comum como um resfriado, atacava muito, todo mundo tinha e era doença bem contagiosa. Tinha também aquela tosse longa e barulhenta, a coqueluche. O terror das mães era a caxumba, que tinha que ser tratada com cuidado porque havia o risco de ela descer aos órgãos genitais e tornar os meninos estéreis… As meninas escapavam dessa preocupação.

A adolescência já tinha passado quando fomos atingidos pelo mal do século, a Aids (ou SIDA, em português, a Sindrome da Imunodeficiência Adquirida), uma doença maldita, mortal e que veio acompanhada de medo e preconceito. O sexo ficou perigoso logo depois do ‘liberou geral’ que acompanhou a chegada às farmácias da pílula anticoncepcional. Hoje a Aids é mais conhecida pelo nome do vírus, HIV. Deixou de ser uma sentença de morte, há na praça um coquetel que mantem vivos e ativos os soropositivos.

Esses pensamentos me vem à mente no momento em que vivemos – toda a humanidade – uma grave crise sanitária por causa da Covid 19. Não deixa de ser um alívio perceber que o avanço da vacinação e da ciência está diminuindo a letalidade dessa síndrome.

Esta semana, fui impactado emocionalmente por uma doença sem cura, a epidermólise bolhosa. É o mal que aflige Theo, neto da bailarina e coreógrafa Déborah Colker, desde o nascimento do garoto há uns 10 anos. A doença provoca feridas na pele da criança ao menor contato. É difícil até o simples ato de vestir roupas. Deborah montou um espetáculo chamado Cura para expressar uma indignação de avó diante do fato de não haver cura para a doença do neto. Ao mesmo tempo, ela denuncia o preconceito e investiga a dor em várias civilizações, o que incluiu uma intensa viagem à África. Fé, Ciência e Solidariedade se unem em 75 minutos de grandes emoções que se encerram em notas altas de alegria e muitos aplausos. Vai aparecer na sua cidade. Não deixe de ver. Cura!

Clique aqui para ler outras Crõnicas de Domingo, de Ingo Ostrovsky.

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