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Minha nova amiga, de 90 anos, alivia meu medo de envelhecer

Descobri que ela morava num hotel, sozinha, fazendo suas próprias refeições veganas, lendo, atraindo para si um séquito de seguidores. Foto: Márcia Lage

Márcia Lage
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Dizem que, depois dos 60, as pessoas não fazem novas amizades. Desminto a crença.

As amizades se fazem o tempo todo. A diferença é o aprofundamento desses encontros tardios, pois o tempo é curto para o estreitamento dos laços de intimidade.

Amigos de infância têm uma cumplicidade maior, amadurecida no acompanhamento presencial das várias etapas da vida de cada um.

Mas, se os amigos tardios são sinceros e não têm vergonha de se expor, cria-se uma confiança que dispensa a necessidade de longa convivência para alicerçar o afeto e o respeito mútuo, base de toda boa relação.

Foi assim com Lúcia, uma nova amiga de 90 anos de idade. Nossa amizade surgiu num encontro sobre cinema (afinidade inicial).

O encontro era num hotel e, nesse mesmo dia, descobri que ela morava lá, sozinha, fazendo suas próprias refeições veganas, lendo, atraindo para si um séquito de seguidores.

De origem amazônica, tem a calma dos rios que correm para o mar, conscientes da jornada e do destino.

Foi casada, teve filhos, tem netos e bisnetos.

Por questões que acredita ter origem em vidas passadas, é muito rejeitada pela única filha viva, que a espezinha toda vez que se encontram.

Por causa disso, decidiu morar longe e só, e vive muito bem.

Não é carente, não pede ajuda, mas sabe criar redes de apoio.

Tem seu próprio motorista de táxi, faz massagem com um amigo com quem já compartilhou casa por muitos anos, caminha juntando pessoas, nunca coisas.

Outro dia me disse que estava apaixonada. Não no sentido carnal de uma paixão, mas no sentido latino original (passividade, sofrimento).

Tem enorme admiração e carinho por um homem de 65 anos, com quem dividiu boa parte da vida em entretenimentos e alma.

E, agora, essa amizade se esgarça, por motivos que ela ignora. Prepara, para ele, um jantar de aniversário.

Conversar com ela é prazeroso, divertido.

Não perdeu, com a idade, as inquietações da juventude, nem ganhou medo de adoecer e morrer, como a maioria dos que entram na fase das cataratas.

Não pensa na finitude, nem organiza o próprio enterro ou velório, ciente de que os mortos não ficam insepultos.

E, com essa certeza e total confiança na vida, Lúcia está à procura de uma casa grande para alugar.

Com quartos de sobra para receber amigos e salas espaçosas, para fazer festas, organizar debates, saraus culturais.

Com sua leveza, essa minha nova amiga alivia o meu medo de envelhecer. Principalmente quando vem aos nossos encontros cheia de vida, com sua linda bata amarela.

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