Márcia Lage
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Minhas mãos estão mais velhas do que eu pelo menos uns 20 anos: secas, enrugadas e completamente tomadas por manchas senis. Uma das minhas irmãs me perguntou:
“Por que você não cuida disso? Há tratamentos com ácido e com laser muito eficazes. Você é tão vaidosa, não entendo esse seu desmazelo”!
Não é desmazelo. Já experimentei o tal ácido uma vez. Doeu, queimou, descamou e só melhorou um pouco.
As manchas ficaram mais claras, como se eu tivesse usado uma base, mas continuaram lá, nas profundezas da derme.
A médica me alertou que elas voltariam mais fortes e mais escuras, caso eu não usasse luvas com proteção contra raios ultravioletas (os tais UV) e continuasse tomando sol.
Ora pois! Se a única coisa de graça que a gente tem nesse país tropical é o generoso sol do ano inteiro, como posso me abster dele para ter mãos branquinhas e sem manchas?
Terei de usar uma luva ridícula, até os cotovelos, toda vez que for remar, andar de bicicleta, dirigir? Virar sinhazinha e ficar tirando e pondo luvas o dia todo? Tenho mais o que fazer.
Aliás, minhas mãos estão assim porque nunca gostei de delegar aos outros as tarefas do meu dia a dia.
Tenho pena das pessoas que não limpam a própria sujeira nem preparam a própria comida. Sucumbem ao menor contratempo.
É óbvio que, nos meus anos de trabalho duro, tive que pedir socorro a empregados, mas sempre gostei de cozinhar e de cuidar de hortas e jardins nos poucos momentos de folga.
Acrescente-se a esses hobbies o prazer de limpar a casa, uma ojeriza a janelas empoeiradas, o hábito de lavar roupas finas à mão, o uso de água sanitária para desinfetar banheiros, o calor do fogo e o frio da água da pia na preparação das refeições. Eis as razões das minhas mãos de bruxa.
Também tem a genética, pois minhas avós tiveram essa pele de rã, e minha mãe a tem cada vez mais marcada.
Se eu não posso escapar dessa herança determinada pelo meu DNA, vou fugir das coisas que me dão prazer só para “tentar” ter mãos de fada?
Prefiro ter estas mãos a não cutucar um canteiro, amassar um pão, assar um bolo ou a comprometer minha estrutura óssea (que nunca precisou de gesso) por falta de sol.
Aos que me receitam medidas milagrosas contra as manchas senis, respondo com o poema de Cecília Meireles:
“As mãos que trago
as mãos são estas
Elas sozinhas te dirão
se vêm de mortes
ou de festas
meu coração”
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