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Modelos maduras ganham o mercado e são cada vez mais disputadas pelas agências

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Ana Luna, 69, de São Paulo, que começou como modelo depois dos 60 anos e descobriu na atividade uma forma de se manter ativa. “Vi que estava começando a ser legal ser velho”, brinca. Foto: Ronny Santos/Folhapress

Uma excelente reportagem sobre como o mercado de trabalho está se abrindo cada vez mais para mulheres que já passaram dos 50 anos e querem trabalhar como modelo. Aquela história de apenas mulheres jovens, magérrimas, desfilando nas passarelas para as grandes grifes começa a ser revista. Nos desfiles já se pode ver modelos maduras. Você vai ler o depoimento da dona de uma dessas agências que recrutam mulheres mais velhas para atender às demandas das empresas de moda e de publicidade. Segundo ela, quando abriu sua agência, há quase 14 anos, o mercado de modelos sêniores ainda estava engatinhando. Agora, garante ela, “o mundo mudou, não é mais como era.”

Leia a reportagem de Vitor Moreno publicada pela Folha de São Paulo:

A profissão de modelo é frequentemente associada a alguns estereótipos. Não raro as pessoas relacionam a atividade a jovens altas, com beleza acima da média e extremamente magras. Porém, um novo grupo de pessoas vem sacudindo esse mercado: o dos modelos sêniores.

O envelhecimento da população fez os anunciantes voltarem os olhos para esse grande público, que continua consumindo. E para gerar identificação nessa parcela da população, a solução tem sido cada vez mais o uso de modelos com mais de 50 anos de idade.

É o caso de Ana Luna, 69, de São Paulo, que começou na área depois dos 60 anos e descobriu na atividade uma forma de se manter ativa. “Vi que estava começando a ser legal ser velho”, brinca. “Tive a ideia de fazer testes para fazer comerciais e comecei a pesquisar. Peguei agências maravilhosas, que me mandam vários jobs [trabalhos]. Virou uma ligação bacana com as pessoas que trabalham nelas, eu gostei demais!”

Ana Luna: Nunca trabalhei. Mas agora ganho dinheiro com publicidade. Foto Ronny Santos/Folhapress

Ana Luna, 69, começou como modelo depois dos 60 anos
Luna diz que, apesar de ser formada em letras, nunca exerceu a profissão. “Sou da geração que ficava em casa cuidando dos filhos e da casa enquanto o marido trabalhava”, conta. “Nunca trabalhei, mas agora ganho dinheiro com publicidade.”

Só depois que ela se divorciou, em 1993, é que começou a realizar alguns sonhos, como o de cantar. Integrou por alguns anos um grupo musical chamado Uva Passa (porque é “amassadinha, mas gostosa”, como ela explica aos risos) e, quando o grupo se desfez, passou a procurar novas atividades que a preenchessem, como “modelar”. Desde então já participou das campanhas de uma grande rede de supermercados e de uma gigante da indústria alimentícia, além de um institucional de incentivo à vacinação ao lado de Pelé, entre outros trabalhos.

Os filhos, um de 44 e outro de 42 anos, não interferem. “Tudo eu mando para eles verem, eles gostam bastante”, conta. “O mais velho é um pouco reticente às vezes. Fiz a campanha para uma linha de lingerie —era bem comportado, nada de bumbum de fora—, e ele ficou meio assim. Mas acho que ambos são orgulhosos da minha forma de ser, da minha alegria, acho que é até exemplo para eles.”

Entre um e outro trabalho, Luna usa as redes sociais para falar sobre envelhecimento real (“sou uma ativista do envelhecimento”) e dar dicas para quem quer começar na profissão. “Eu recomendo para todo mundo”, afirma.
“Nos trabalhos tem gente com todo tipo de perfil”, explica. “Às vezes a pessoa fala: ‘Ah, mas eu não sou bonita’. Para começar, você é bonita sim. E, em segundo lugar, tem de tudo, desde a glamourosa que vai desfilar à velhinha que vai andar com dificuldade.”

Yara Forrer, 72, que começou a carreira de modelo há 10 anos. Foto: Rubens Cavallari/Folhapress

Sonhos a realizar
Para Yara Forrer, 72, de São Paulo, a carreira de modelo começou há dez anos. “Trabalhei durante 40 anos na área de banco de dados”, conta. Quando veio a aposentadoria, pensei: ‘o que vou fazer da vida?’. Minhas amigas disseram para eu ser modelo da terceira idade, e eu fui atrás.”

A sugestão não foi à toa. “Eu sempre gostei de me vestir bem”, explica. “Não precisava, mas eu sempre ia trabalhar toda arrumada.”

Ela recebeu a indicação de uma agência por meio da qual a filha de uma amiga já tinha feito alguns trabalhos. “Liguei e perguntei se trabalhavam com terceira idade”, lembra. Mesmo com alguma timidez no início, deu certo. “Sempre me achei um pouco acanhada. Mas a idade traz novas formas de lidar com os nossos conflitos.”

Yara sempre foi elegante. Depois dos 60, resolveu procurar uma agência

Yara conta que não tinha o sonho de ser modelo quando era nova. “Sou da época do cinema musical, eu achava que queria ser bailarina”, diz ela, lembrando que a avó chegou a acertar com uma professora que ela fizesse aulas, mas o pai acabou não autorizando.

“Tudo na vida tem um propósito. Eu me formei, me casei, tive filhos, formei meus filhos… isso tudo me envaidece. Se tivesse insistido [no balé], talvez não tivesse atingido meus objetivos.”

Hoje ela diz receber o apoio do marido e dos filhos, de 42, 40 e 35 anos. “O meu caçula é baterista de banda de rock, foi o que mais me incentivou. Ele que pagou meu primeiro book [álbum de fotos profissionais]. Os outros dois ficaram meio ressabiados, não botaram muita fé no começo, não [risos].”

Em publicidade, Yara Forrer já fez comerciais de empresas de telefonia, cosméticos e até uma campanha com a participação de Gisele Bündchen. E pretende fazer aulas de dança assim que possível, para complementar sua formação artística —além de cursos de passarela, ela já estudou teatro e interpretação, o que rendeu participações em novelas e filmes.

“Eu levo essa profissão muito a sério, eu estudo e me dedico para fazer da melhor forma possível tudo o que me chamarem para fazer. Quero morrer fazendo isso.”

Conciliando atividades

Therezinha Fernandes, 53, é advogada e modelo Divulgação/Fifty Models

“Verifiquei uma agência que trabalhava nessa área e, como eu tenho a autoestima elevada, mandei uma foto e acabei sendo selecionada”, brinca. O primeiro trabalho, um ensaio de fotos para uma revista, surgiu apenas 15 dias depois.

Casada, com três filhos e quatro netos, ela diz que só contou a novidade para a família quando já tinha passado pela peneira da agência. “Eu fiz tudo meio que escondido”, lembra. “Sou advogada, tenho um perfil mais sério, então não acreditava que seria escolhida. Quando fui selecionada, eu falei e eles acharam bacana.”

Apesar de muito charmosa, Therezinha não acreditava que seria escolhida

Therezinha conta que, apesar de ser um pouco ciumento, o marido tem dado apoio. “Ele me incentiva porque é uma coisa que me faz feliz. É algo que levanta bem a autoestima. Desde que comecei, fiquei mais leve, mais solta. Foi uma maneira de me reinventar.”

E ela gostou tanto da nova ocupação que lamenta não poder pegar todos os trabalhos que aparecem. “Como eu ainda estou na ativa, nem sempre é fácil conciliar. Alguns trabalhos surgem de repente, e não tem como eu pegar.”

João Souza Pereira, 61: Eu sempre quis ser modelo fotográfico

Quem também concilia mais de uma atividade é João Souza Pereira, 61, de Mogi das Cruzes (interior de SP). Ele já havia trabalhado como modelo há cerca de 15 anos, mas acabou deixando a atividade de lado depois que foi atropelado e fraturou a bacia.

Mais recentemente, há menos de um ano, começou a procurar agências para voltar a fazer campanhas. Segundo conta, ele tem flexibilidade de horários porque trabalha na venda e entrega de brincos fabricados pelo sobrinho. “O meu desejo é tornar isso uma carreira. Eu sempre quis ser modelo fotográfico, é o maior objetivo que eu tenho.”

Ele avalia que as oportunidades estão aumentando para modelos que têm mais de 50 anos e diz que a competição entre os homens é um pouco menos acirrada. “Tem mais mulheres que homens no mercado. Acho que, em geral, eles são mais relutantes em se expor”, opina.

João acha que a profissão exige, sobretudo, desenvoltura

“Acho que, para ser modelo, o fundamental é a desenvoltura. Hoje em dia não tem mais isso de ter que ter um corpo assim ou assado, tem muita variedade. Cada um tem uma particularidade que vai chamar a atenção.”

O que o mercado quer?
Desenvoltura é, de fato, a palavra mais citada entre os bookers, os olheiros que selecionam o casting (elenco) das agências. Robson Lima, da paulistana Gloss Model, diz que há cada vez menos um perfil padrão buscado pelo mercado.

“É muito legal que não tem mais estereótipo. Já agenciamos modelo sênior para comercial de produtos para cabelo, de marcas de roupas… Eles estão galgando outros espaços além do estereótipo do senhorzinho que vai fazer só propaganda de aparelho auditivo, o que também existe.”

Lima diz ainda que, muitas vezes, há dificuldade em conseguir novos modelos de mais idade porque há muitas visões preconcebidas. “Temos pessoas para quem a idade é só um número, elas têm uma disposição até maior que alguém de 20 e poucos anos”, compara. “Estamos sempre procurando new faces [rostos novos], independentemente de ser novo ou mais velho.”

João Souza Pereira, 61, com as colegas Sileda Maria da Silva Oliveira (esq.), Silvia Santos (ao centro) e Sueli Hoepfne Rivera (esq.) Divulgação/Gloss Model

Fernanda Paschoal, da agência paulistana Dois Tons, corrobora a afirmação. “Acontece muito de os clientes quererem caras novas. Se você reparar, muitas vezes vemos sempre as mesmas pessoas nos comerciais”, diz.

“O mercado é muito competitivo, mas se renova muito também”, explica. “Neste momento, o que se procura é cada vez mais diversidade. Acho muito legal essa inclusão, somos um país multiracial. No nosso casting tem de tudo: senhores gordinhos, magrinhos, casal em que os dois fazem trabalhos juntos, idoso mais descolado, avó bem ao estilo Dona Benta… Isso vai de acordo com o briefing [instrução do trabalho].”

A profissional lembra que o crescimento acelerado do segmento só foi interrompido por causa da Covid-19. “Durante um período da pandemia, havia um limite de até 59 anos para participar dos trabalhos. Agora, com a vacina, os que quiseram já puderam voltar”, conta.

A pandemia também é citada por Maria Rosa von Horn, da Fifty Models, também de São Paulo, como um dos períodos mais complicados para a agência, especializada em modelos com mais de 50 anos. “Ficamos muito tempo parados, ninguém iria se arriscar.”

Maria Rosa von Horn, 63, tem uma agência especializada em modelos com mais de 50 anos. Foto: Arquivo Pessoal

Mas os trabalhos já voltaram a aparecer com força total. A própria dona da agência, que tem 63 anos, trabalha como modelo. Na última semana, por exemplo, ela faria fotos de vestidos de festa em uma fazenda no interior de São Paulo.

“Quando eu era mais novinha eu parava o comércio”, conta. “Era muito alta e sempre fui magra, um tipão, mas meu pai não deixava eu ser modelo, achava que não pegava bem. Eu achava que tinha perfil, mas não pude fazer na época.”

Leia também:Mercado para modelos maduras, agora, valoriza idade e diversidade

Ela conta que, por volta dos 50 anos, começou a se sentir incomodada com a forma como as pessoas mais experientes eram tratadas, e algumas ideias começaram a surgir. “Eu era uma mulher atraente, mas parecia que eu estava sumindo. É como se a gente se tornasse invisível para a sociedade”, compara. “Eu pensava: ‘Espera aí, eu não estou tão acabada assim’ [risos].”

Foi quando ela resolveu realizar o sonho de fazer um curso de passarela, onde conheceu muitas mulheres da sua faixa de idade. Na época, há quase 14 anos, o mercado de modelos sêniores ainda estava engatinhando.

Mas como nem sempre foi bem recebida nas agências que procurou, Maria Rosa Von Horn teve a ideia de criar a própria empresa. “Me olhavam torto, só queriam a novinha ou a idosa com perfil de vovozona, não tinha meio termo”, diz.

Maria Rosa: “Nunca ‘modelei’ tanto como agora, que estou ficando mais velha”

A agência começou com apenas quatro modelos, e toda a operação funcionando de forma virtual. Hoje ela tem um casting de 29 senhoras com os mais variados perfis. “Loira de farmácia o mercado tem aos montes”, brinca. “Atualmente o que chama a atenção é a mulher que tem uma característica diferente, que você não encontra na esquina.”

A modelo e empresária diz ser criteriosa na seleção de suas modelos e afirma que prefere ter um casting mais enxuto, trabalhando só com quem ela acha que tem realmente o perfil —atualmente, está interessada em mulheres com rugas, cabelo curto ou grisalho e aparência saudável. “Aqui é bem específico. Não querendo ser metida, mas é como a Ford Models para mulheres mais maduras”, brinca, referindo-se a uma das maiores agências que atuam no país.

A estratégia tem dado certo, inclusive para ela própria. “Nunca ‘modelei’ tanto como agora, que estou ficando mais velha”, comemora. “O mundo mudou, não é mais como era.”

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