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Mulheres Históricas: Marília de Dirceu, musa, uma ilustre brasileira

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A atriz Inês Peixoto representando o papel de Marília de Dirceu, no filme Vinho de Rosas, dirigido por Elza Cataldo
Elza Cataldo

Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão era seu nome. Nasceu em Vila Rica, atual Ouro Preto, em 1767, onde morreu em 1853. Mas ficou conhecida como a personagem Marília na poesia do inconfidente Tomás Antônio Gonzaga. Entretanto, em um misto de crueldade e provocação, até mesmo o título de musa lhe foi retirado por alguns. Esses colocaram em suspeição se ela teria sido realmente a inspiradora do poeta.

Lugar na história bastante cobiçado se levarmos em consideração que a obra-prima “Marília de Dirceu” foi o poema da literatura portuguesa com mais edições, depois somente de Os Lusíadas, de Camões.

A imagem do selo dos Correios brasileiros, de 1962, não faz justiça a sua possível beleza

Doroteia foi parcialmente redimida em 1962 pelos Correios do Brasil, que confirmaram sua importância ao homenageá-la como uma das mulheres ilustres brasileiras. A imagem do selo não faz jus a sua possível beleza, mas a homenagem já conforta os seus admiradores. Dos quais eu faço parte, não, talvez, pelas mesmas razões. No meu caso, mais por solidariedade.

Imagine uma jovem de 16 anos em uma Vila Rica setecentista, um dos mais importantes centros urbanos da época, devido ao nosso cobiçado ouro, mas ainda assim provinciana,é objeto de interesse (a palavra não é exagerada) de um famoso jurista português, cosmopolita, intelectual requintado e dono de uma escrita talentosa.

Imagine que esta mesma jovem, agora noiva do disputado bom partido da época, tenha sido abandonada não por vontade do noivo, mas em consequência da sua participação em um movimento de rebeldia contra a coroa portuguesa pela qual foi preso. Imagine ainda que essa mesma outrora jovem tenha morrido lá pelos seus oitenta e seis anos sem se casar e sem ter filhos. Eterna musa intocada vivendo definitivamente à espera.

A atriz Inês Peixoto interpretando Marília de Dirceu no filme Vinho de Rosas, produzido e dirigido por Elza Cataldo

Que não venham agora lhe tirar até mesmo o consolo de toda a sua existência. Que lhe reste ao mesmo o seu reconhecimento como fonte de inspiração de um homem notável.

Além disso, deveria lhe caber também um outro lugar associado a atributos menos conhecidos da musa.

“Marília de Dirceu” foi o poema da literatura portuguesa com mais edições, depois somente de Os Lusíadas, de Camões. Na foto, a capa de uma rara edição portuguesa

Para alguns ela foi responsável, pelo menos em parte, por minimizar a pena dos inconfidentes de execução na forca, pena que ficou exclusiva ao Tiradentes, para exílio em territórios africanos.

Para crédito de Doroteia ficou a suposta ajuda em enviar seu futuro/nunca marido para Moçambique, onde rapidamente ele se casou com a filha de um traficante de escravizados, pelo que se sabe analfabeta, com quem teve vários filhos. Tomás teve em pouco tempo de exílio sua competência como advogado reconhecida e morreu como um homem de sucesso.

Teria Doroteia/Marília inteligência, astúcia e coragem para exercer este outro papel? Essa dúvida já não colocaria em questão a capacidade de uma mulher no século XVIII, dúvida essa que ainda hoje não nos é estranha? Teria o poema de Tomás Antônio Gonzaga sido inspirado realmente por ela?

Da minha parte, eu prefiro acreditar na sua capacidade e inteligência de estrategista e no seu encanto de musa. E junto com ela,ouvir ainda hoje os lisonjeiros versos de seu eterno noivo.

Se encontrares louvada uma beleza,

Marília, não lhe invejes a ventura,

Que tens quem leve à mais remota idade

A tua formosura.


Ouça a gravação do texto por Elza Cataldo:


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