Maya Santana, 50emais
Quando Tinda Costa me chamou para ir a Juiz de Fora dar um beijo numa amiga em comum que está completando 100 anos de vida, aceitei na hora. Queria abraçar e ver de perto como vai a querida dona Manira Sffeir Mafouz, mãe da jornalista Valéria Sffeir (falecida há oito anos). Eu sabia da queda que havia sofrido no banheiro, no ano passado, cuja consequência mais séria fora um ombro quebrado.
Subindo a serra, a caminho da cidade mineira, a três horas do Rio, fui imaginando como estaria aquela senhora de fé inabalável, com uma força interior tamanha, capaz de norteá-la e apaziguá-la, mesmo diante da morte de duas das três filhas (Berenice, a mais velha, morreu cinco anos depois de Valéria, também de câncer). Chegamos ao endereço, no centro da cidade. Subimos ao décimo segundo andar do prédio e, ao entrar na sala onde ela, sentada em uma confortável poltrona, assistia a um filme na televisão, veio a enorme surpresa: dona Manira parecia ter 20/30 anos a menos. E, logo, revelou estar com a memória melhor do que a minha.
Depois de fazer grande festa para Tinda e levar um tempo para me reconhecer, incentivada por nós, começou a falar de sua longa vida. Contou que foi a primeira mulher de Juiz de Fora a dirigir um carro, na década de 1930. Ainda não era casada. O pai comprou o veículo e deu para ela levar a mãe à igreja, aos domingos. Depois, falou dos sete irmãos homens – “todos muito altos e muito bonitos”. Lembrou que tanto o pai como a mãe vieram do Líbano. Já eram casados quando desembarcaram aqui. Mesmo assim nunca ouviu árabe em casa. “Meu pai chegou a contratar um professor para ensinar eu e minhas duas irmãs. Mas nós ríamos tanto dele que ele próprio tomou a decisão de não voltar mais,” lembrou ela, divertida.
Na televisão, sua grande fonte de entretenimento, gosta muito de ver filmes, mas têm que ser legendados, porque o ouvido já não capta os sons tão bem. Sob o olhar zeloso da cuidadora Natália, ela respondia com semblante alegre e atento às nossas perguntas.
Quero saber como é que se faz para chegar tão bem aos 100 anos – ela é a última dos 10 irmãos. Dona Manira me olha longamente, como se estivesse elaborando uma intrincada resposta, e diz: “Não Sei”. Pára, pensa um pouco mais, e afirma não ter muita explicação: “É Deus que fez assim, porque Ele é o dono da vida, né?”
Todos os dias, sua rotina começa bem cedo, às 6h, e inclui assistir uma missa pela TV. “É muito bom. Não deixo de ver,” comenta. Cercada pelo cuidado da filha, Marília, dos netos, Andréa e Bruno, e do pequeno Caio, único bisneto, mantém o espírito forte, a sanidade intacta, o fino humor e a vaidade.
Algum tempo depois de chegarmos, usando um andador, ela se levantou e foi tomar banho, preparar-se para o “Parabéns Pra Você”, no salão de festas do edifício. Voltou com seu traje de domingo e o cabelo muito bem ajeitado por Natália, usando uma boa escova e o secador. Escolheu a cor do batom que queria usar, mais puxado para o rosa e, uma vez mais, a solícita Natália ajudou-a a colorir os lábios. A ligeira maquiagem deu ainda mais vida ao centenário rosto.
Pronta, ela se esquece do incômodo causado pelo ombro quebrado (não pode ser engessado) e se encaminha para o elevador que a levará até o salão de festas, onde vai viver o ponto alto do dia. Além de toda a família – primos, sobrinhos e toda sorte de parentes – metade do prédio foi convidada. Está todo mundo lá para cantar parabéns para a inspiradora aniversariante.
Viva Dona Manira!