A primeira vez que vi Dra. Margareth Dalcolmo, uma das pneumologistas mais respeitadas do país, ela participava de um programa de entrevistas, na televisão. Fiquei encantada com seus conhecimentos médicos e com a facilidade com que se expressava. Eu a vi várias vezes. Até o dia em que caiu vítima exatamente do que a levava à TV: o novo coronavírus.
Passou 14 dias isolada em casa. Ainda com sequelas da doença, concedeu esta excelente entrevista à Ana Maria Azevedo, de O Globo, na qual conta o que sentiu ao ser diagnosticada com covid-19. ” É assustador, por mais experiência que se tenha. A pior sensação que sentimos é o medo. Tenho medo da Covid-19. A doença parece não melhorar à medida que o tempo passa. Não durmo direito esperando a falta de ar,” diz a pneumologista, explicando: ” O coronavírus faz com que a gente se sinta vulnerável, porque ele é imprevisível.”
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Isolada em casa, a pneumologista Margareth Dalcolmo, da Fiocruz, continua a trabalhar, à distância, ainda que um acometimento neurológico causado pelo coronavírus nos dedos das mãos continue a incomodar.
A médica, uma das primeiras a tratar de pacientes com Covid-19 no Brasil, contraiu a doença há pouco mais de duas semanas e se recupera. Não precisou ser internada, mas sofreu com o que considera a pior sensação trazida pelo coronavírus, o medo.
Ao GLOBO, ela conta como se tratou e se recupera da Covid-19 e renova o alerta sobre os riscos do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina.
“Claro que não tomei, jamais tomaria ou receitaria para qualquer paciente. Seria uma irresponsabilidade”, destaca ela, uma das autoras da nota da comunidade científica, que repudiou com dados o protocolo do Ministério da Saúde que deu sinal verde para o uso dessas drogas contra a Covid-19.
Como a senhora contraiu o coronavírus?
Contraí em casa. Trato de dezenas de pacientes no meu consultório e no laboratório da Fiocruz. Mas tenho certeza de que não fui contaminada por eles, usei os EPIs necessários. Tive o que precisava para me proteger, o que muitos profissionais de saúde, tragicamente, não têm. Mas, em casa, por mais cuidado que se tome, é mais difícil porque é impossível passar 24 horas por dia em alerta total. Por mais que você saia muito menos, higienize tudo o que vem da rua, cuide da limpeza do prédio onde mora, ainda assim, o vírus pode chegar e esse é um alerta importante, que quero destacar.
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A senhora é uma das pneumologistas mais experientes do país e trata da Covid-19 desde os primeiros casos. Como foi diagnosticar a si mesma?
É assustador, por mais experiência que se tenha. Nós, médicos, não gostamos de expor nossos temores. Mas vou ser honesta e dizer que a pior sensação que sentimos é o medo. Tenho medo da Covid-19. A doença parece não melhorar à medida que o tempo passa. Não durmo direito esperando a falta de ar. Tive apenas uma leve. Mas a possibilidade de sentir falta de ar assombra, sabemos quando chega a fase inflamatória. É um oceano a cruzar. O coronavírus faz com que a gente se sinta vulnerável porque ele é imprevisível.
Como descobriu que estava doente?
Adoeci há duas semanas. Começou com uma sensação de mal-estar e um gosto desagradável na boca. Depois, dor na nuca e um profundo cansaço. Fui dormir cedo, coisa impensável na minha rotina, atendo pacientes até tarde. Quando acordei, não tinha olfato nem paladar. Concluí que estava doente.
E o que fez?
Como sou médica, requisitei o exame, que confirmou o coronavírus. Tenho 62 anos, faço 63 no mês que vem. Mas sempre tive saúde excelente, nunca fumei. A idade é o meu único fator de risco. O meu caso é de gravidade moderada. Já passei do 14º dia de isolamento e estou à espera do resultado do exame de sorologia, para saber se tenho anticorpos.
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E como está se tratando?
Nos últimos dois meses, aprendemos muito sobre a Covid-19. Temos uma visão mais clara sobre a doença. Tomei medicamentos anticoagulantes porque hoje sabemos que a Covid-19 tem um componente de trombose importante. Monitoro o oxigênio. Desenvolvi uma pneumonia leve, com 25% de comprometimento do pulmão. Uma tomografia mostrou o padrão de “vidro fosco”, característico da Covid-19. Mas, como meu pulmão sempre foi íntegro, saudável, não me causou maior preocupação.
Além dos anticoagulantes, o que tomou?
Remédios comuns para a febre e as dores. Mas faço questão de dizer o que não tomei. Não usei e jamais tomaria ou receitaria cloroquina e hidroxicloroquina, porque não existe qualquer evidência científica de que funcionem.
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Quão grave é a aprovação do protocolo do Ministério da Saúde que dá sinal verde para o uso generalizado dessas drogas contra a Covid-19?
É muito sério, terrível o que o ministério fez, porque essas drogas podem causar efeitos colaterais severos, principalmente arritmias. Eu jamais receitaria essas drogas para qualquer paciente de Covid-19, não importa se caso leve, moderado ou grave.
Por que essas drogas se tornaram panaceias?
Porque houve uso político, sem qualquer base na ciência, em fatos. A cloroquina e a hidroxicloroquina, num primeiro momento, foram fármacos da esperança porque não havia nada e não se sabia que ainda poderiam causar problemas. Era compreensível que se fizessem ensaios clínicos (testes com pacientes) para saber se poderiam de fato ajudar e ter ação antiviral. Mas os estudos que seguiram normas e ética até agora não mostraram qualquer efeito benéfico e é muito grave receitar um remédio baseado apenas em crenças e convicções pessoais.
Digo o mesmo sobre os vermífugos que muitos médicos andam receitando por aí. São ainda menos estudados, uma aventura terapêutica à custa dos doentes.
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Como a senhora vê a situação hoje?
Na semana passada, a comunidade científica apresentou uma nota, da qual sou uma das autoras, que detalha tudo o que se sabe e os estudos feitos sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina. A nota condena o protocolo do Ministério da Saúde, uma medida irresponsável. O uso generalizado vai impedir pesquisas sérias. Hoje, vejo a dupla cloroquina/hidroxicloroquina como uma quimera da decepção.
A senhora já está recuperada?
Ainda não. Sinto dormência nos dedos das mãos, devido à neuropatia viral nos dedos. Hoje já se sabe que o coronavírus atravessa a barreira hematoencefálica e chega ao cérebro. É perigoso.
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